terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um ano em poucas palavras...


Há tempos que não paro para escrever sobre o presente. Há um certo tempo que não parava para olhar para a minha rotina e para contemplar de fora da cabine de comando essa nave desembestada que é o meu ser. Desde que tive que mudar de casa, mudar de bairro, mudar de vizinhança, me virar com tudo isso e adaptar, e me adaptar, vinha até esquecendo de olhar para o resto das coisas que compõem a minha vida. Agora o fim do ano se aproxima, este ano estranho, bagunçado e cheio de perguntas ao qual deram o número de 2010. Esse ano que começou como um simples resto de 2009, que por sua vez foi o que sobrou cuspido de um 2008 mastigado. Esse dois mil e dez que foi nada mais que a tradução de uma esperança de melhoras em vários aspectos, mas que me provou que nada melhora e nada muda se eu não me mexer. Por mais difícil que seja. O ano anterior, foi feito basicamente de escombros econômicos de uma crise que parece ter afetado só a alguns países do hemisfério norte e mais a parte da minha carteira onde ficam as notas. Foi construído em cima de tentativas e erros de sair-se de um problema enfrentando outro, mas ainda assim foi um ano corajoso, um ano de fechamentos e um ano de conclusões. Houve enganos, mas também houve esclarecimentos. Apareceram promessas, algumas se cumpriram, outras não. Algumas com tranqüilidade, outras doeram mais um pouco. A maioria delas só serviu pra jogar um pouco mais de concreto na mistura dos meus sentimentos. Mas sobrevivi e cheguei a este ano que corre...E corre... Corre muito.

Tudo que aconteceu na virada da maré, toda a necessidade de mudança, de sacudir a estrutura, de me livrar de um ambiente no qual eu tinha escrito uma história há muito cancelada, tudo isso aconteceu, ainda que um pouco atrasado, na hora certa pra mim. Aquela sensação de urgência, a adrenalina do “quase não dá”, o quase fechamento de negócio com uma imobiliária que fez meu picaretômetro apitar, e o aparecimento de uma oportunidade quase perdida em outro lado aparentemente mais honesto, tudo isso veio com o sabor dos grandes e clássicos imprevistos que já se tornaram a matéria-prima dessa minha peculiar vida. Arrumei casa, a tempo, me livrei dos inquilinos, dos problemas crônicos do prédio antigo, e de quebra deixei pra trás um universo de lembranças muitas vezes desnecessárias. E mais. A despeito de vários conselhos cautelosos e coerentes recebidos, consegui fazer tudo do meu jeito. Determinadamente quase não dando. Mas com minha vontade férrea de fazer o que queria, mais uma vez atraindo magneticamente pra minha realidade o melhor possível na situação em que me encontrava. Com o passar do tempo, cansei de ser teimoso e passei a dar crédito à minha própria teimosia. Aprendi a empregá-la a meu favor. E quando ela se transforma em magnetismo, eu deixo. Atrai coisas boas para mim. Assim tem sido desde então, a segunda metade deste ano está se passando em novos ares, não tão dados a exuberâncias e delírios de consumo de classe média-alta, porém mais enxutos. Tanto financeira quanto espiritualmente. Assim como na moradia, na mudança (nossa, quantas coisas velhas coloquei pra doação, joguei fora, ou vendi) estou aprendendo a eliminar supérfulos. Sejam eles materiais, sejam energéticos. Isso tem me feito mais feliz.

Falando em felicidade, não é por acaso que deixo essa nota por último. Talvez eu tenha demorado a perceber, nessa correria em forma de ano, nesse período de pouquíssimos e rápidos meses que tentam me convencer que são doze, que à medida que a situação prática da minha vida ia sendo arrumada, ou ao menos reorganizada, eu meio que de propósito, meio sem querer, fui deixando a velha procura de lado. As incongruências que são tão boas como material para poesia, que floresceram no solo fértil em encontros e desencontros do ano passado, nesse ano foram menos aceitas. Acabei deixando-as um pouco de lado e descansei o velho coração. Findo o meio do ano, findo o último engano, finda a brincadeira, ao mesmo tempo em que procurava casa nova, botei o coração pra lavar. Tirei da máquina, sacudi e pendurei no varal pra secar. Coitado. Quase o deixei esquecido no apartamento antigo. Quase, por pouco não me mudo pra casa nova sem ele. Mas acabei lembrando, sem dar muita importância, mas lembrei. Não que não me seja caro, não que não me fosse importante, mas naquele momento, o melhor a fazer era deixá-lo quieto por lá. Tinha muito trabalho a fazer, muita coisa a arrumar e nos momentos de lazer, eu realmente não precisava dele. Qualquer pessoa que já tenha apanhado um mínimo nos ringues do sentimento saberá do que falo.

Mas eis que o tempo passa, e ele sente vontade de ser usado novamente, como roupa limpa e passada pendurada no cabide. Procurei uma solução muito comum, porém pouco tentada. Procurei um ambiente onde pudesse oferecer e também exigir um mínimo de observação prévia, um ambiente controlado. Já tinha cansado de viajar milhas para levar tiros à queima-roupa. Se fosse para morrer à bala, que fosse perto de casa. Escrevi minhas condições, pendurei na parede, e deixei para apreciação pública. Se eu disser que não esperava nada, estarei mentindo. A princípio, é bem claro que realmente, tudo que eu esperava passou pela minha frente. Um ou outro olhar, um ou outro conversar, um ou outro interesse, mas nada diferente do jogo que eu já via sendo jogado há muito tempo. Nada que me fizesse pensar em coisas novas. Nada que minha mente não conseguisse mapear em 10 segundos. Nada que me desse vontade de perguntar ao menos um porquê. Mas, como em toda boa história, quando eu menos estava esperando... Apareceu algo que me fizesse pensar em coisas novas, que eu não consegui mapear em 10 segundos e me deu vontade de perguntar vários porquês. Apareceu alguém que abordou não só minha pessoa mas a minha proposta. Apareceu alguém que falou uma língua que eu entendia de ouvido, sem precisar ligar o filtro tradutor de jogos e intenções ocultas. E de repente eu tive a sensação de me refrescar com isso, em pleno início de verão, como um mergulho na cachoeira depois de meia hora de trilha. A velha curiosidade não só apareceu, mas foi manifestada do lado de lá também. E eu me vi no espelho, um dia depois, com a cara mais relaxada do mundo, banho tomado e barba feita, pronto pra tudo, e ao mesmo tempo para qualquer coisa e coisa alguma que acontecesse. Eu me vi seguro mesmo antes de saber que poderia, se deveria. Acompanhanei uma belíssima tarde azul até o seu final, disposto a investigar uma séria suspeita de descoberta de pedra preciosa. E minhas suspeitas se confirmaram, constatei a boa procedência e qualidade da gema. Foram mais de 6 horas da mais minuciosa análise, e um grau de qualidade aferido e testado além dos prognósticos. Perguntei coisas para saber respostas para elas e para outras perguntas. Descobri nuances e colorações dificilmente encontrados numa mesma situação antes, e me surpreendi ao perceber propriedades que já não mais julgava existentes no mercado. Me entreguei com prazer e animação em conhecer minha jóia recém descoberta. Naquele dia voltei pra casa seriamente impressionado. Mesmo depois de um tempo sem uso, meu coração me avisava que ali poderia haver uma boa oportunidade. Comecei a deixar depois de muito tempo que ele chefiasse a investigação, cujo resultado final seria obter permissão para gravar nele, em meu coração, mesmo tão prematuramente (muito mais que o costumeiro) o nome dessa preciosidade recém-descoberta: Clarice. E assim foi gravado. E vejam, antes desse ano tão espetacularmente peculiar terminar.