terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Bem-Entendido

© Travelpod.com

Há coisa de um momento
Eu não queria mais sentir.
Questão de instantes,
Em que só queria fugir
Deixar pra trás essa terra
Essa cidade, escapulir
Dessa gente que só erra
Que só sabe se distrair...

Há menos de um minuto
Eu queria mais que tudo
Poder tirar o traje de luto
Essa minha roupa tão sóbria
Toda a desculpa que me sobra
Pra não virar um prostituto
Pra não me perder como eles
Abandonar meu olho arguto
E amansar meu instinto feroz.

Há pouco menos de um instante
Abandonei meu modo educado,
Eu deixei de ser um galante,
Que ficava incomodado
Com os modos deselegantes
Dessa gente tão barulhenta
De coração tão arrogante
Com consciência tão curta,
E insegurança gritante.

Mas uma fração de segundo passada,
Numa visão, num lance de vista
Cortaram meu sono à espada
Chamaram meu nome na pista...
E tive que voltar à arena,
Não pra lutar, mas me perguntaram
De que tão cansado eu estava,
Que tipo de ferida me causaram
E de que tormentas me afastava.

Numa troca de olhares cansados
Brilhando o desejo de afastamento
Dessa multidão de humanos errados
E numa busca por mais entendimento
No final luminoso de uma certa tarde
Os dois olharam numa mesma direção
Sem menor escândalo, sem nenhum plano
Quietos, qual a batida de um coração
Entenderam, há todo um mundo de engano..
Mas de bom mesmo, só uma intenção.

Então sorriram, e deram as mãos.

Publicado no Recanto das Letras em 28/12/2010

Resoluções de Ano Novo

© Google

Bom dia, muito obrigado pela atenção
Desculpe incomodar o silêncio da sua viagem
Trago aqui na promoção
Um pouquinho da minha verdade,
E um panorama da sua ilusão.

Aqui, só aqui na minha mão,
Tenho a mesma ambição que você
Aí fora custa muito mais,
Só vocês é que não podem ver.

Por isso essa minha cara de fome
Por isso essa minha falta de jeito
Mas eu sou sujeito homem,
Não querendo lhe faltar o respeito,

Vim dizer que eu quero mais
Muito mais do que eu tenho agora
Quero tudo que deixaram pra trás
Quero tudo que vocês jogam fora.

Quero tudo, sem pudor nenhum.
E se for pra sobrar, que me sobre algum.
Eu podia estar roubando,
eu podia estar matando, mas não.
Estou aqui, humildemente
Pedindo sua atenção.

O que eu quero não é nada demais,
Quero o carro que seu filho bate toda semana
E não me xingue, não me odeie mais:
Quero a grana que sua filha gasta com pó,
O “din-din” do whisky e da pílula, aliás
Que a senhora usa pra não se sentir tão só.

Quero aproveitar o que eu posso
Com as coisas boas que vocês tem
Porque mesmo isso não sendo nosso,
Vocês não sabem usar também...

Vou desperdiçar a minha educação
Enquanto me botam pra fora da lotação.
Mas não se incomode, um dia eu volto.
E não se espante se eu me revolto.
É que cansei da incompetência de vocês
De sentar na janela e não saber usar a vez.

Menos preguiça, menos, menos
Menos atropelo. Mais zelo, mais, mais.
Mais cuidado, concentração.
Mais sentimento, mais paixão.

Que caia do céu, não tenho vergonha
Direi para todos: sou aquele que sonha
Mais dinheiro? Mais, mais, mais mesmo.
Sabes que não vou gastar a esmo.

Mas agora eu vou partir
Agradeço pela atenção
Espero que o meu pedido
Encontre compreensão
E amanhã, numa virada de um outro ano
Eu já não esteja mais aqui,
Que eu já seja considerado um ser humano.
Com direito de cantar e sorrir.

Publicado no Recanto das Letras em 01/01/2009