segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Tecla


Tem dias em que algumas verdades gritam pra sair de dentro da gente. Nesses dias, não existe a menor paciência com aquele papo politicamente correto de “cada um tem a sua verdade”. Tem dias que o espírito da gente está fervilhando, a despeito de aparentarmos calma exterior. São dias em que simplesmente ouvir alguém dizer que "estou generalizando" é motivo para voar em algum pescoço. Tem dias que o mais irritante são as pessoas. E o que me irrita é a irritação das pessoas, seu nervosismo, a falta de educação e todo aquele ódio contido. E o que me faz ficar mais irritado é que com tudo isso elas conseguem fazer o que eu mais odeio, que é acabar me tornando parecido com elas.
Nesses dias, geralmente o clima é quente e incômodo. O suor escorre pelas costas, incomoda no rosto, molha a roupa. Num dia assim, caminhos que são sempre fáceis ficam engarrafados e você sente uma vontade enorme de descobrir um causador, só para poder sentir ódio. Aliás, num dia como esse a palavra ódio tem um sabor doce na boca. Sobe borbulhando do fundo do estômago, como um fel dormido, mas chega doce na boca. Chega melado e doce como um derradeiro prazer culpado, um pequeno alívio para tanto incômodo e tanta tragédia barata.
Em um dia como esse, você olha para as futilidades coloridas e bem remuneradas de toda uma linha de pensamento, e tem vontade de espumar de raiva. Tem vontade de esganar quem inventou tantos poréns para essa vidinha idiota que grande parte de nós levamos. Tem dias em que você olha a lista de exigências da felicidade plena e sente a mais pura vontade de trucidar quem a escreveu. E tem dias que você lembra daquele momento parado no tempo em que nada disso era importante, em que nada disso fazia diferença, e você se detesta mais um pouco também, por sentir uma maldita nostalgia. E de um tempo que no fim da análise, nem era tão bom assim. Só tinha de bom mesmo o fato de todas essas coisas irritantes (que pessoas irritadas fazem e falam) não faziam a menor diferença pra você.
Aí você se arrasta como uma lesma pelo dia afora, tentando não pular no pescoço de ninguém. Ou tenta não fazer essa camada de pedras que está morando no fundo do seu estômago não incomodar tanto. Num dia como esse, você bebe água, mas queria beber litros de whisky. E, num momento, num pequeno momento, no limite entre a realidade e de uma alucinação barata, você sente seu olhar ser atraído. Pode ser num terminal de banco, num elevador, de frente para o computador, ou olhando para o celular. A realidade se dobra, e brilhando, em preto, com letras gloriosamente azuis você vê a tecla, o botão. Antes mesmo de ler, você sabe que ali está a resposta, a saída, a libertação de todo esse sentimento insuportável que insiste em se pendurar nas suas costas. Perfeitamente delineado, o vocábulo tão belo, tão simples: "Foda-se". É isso. Você aperta, e aí, finalmente, o seu dia... ou melhor, a parte realmente importante dele começa.