quarta-feira, 3 de abril de 2013

A história de Kabaro – Parte 03



Assombrado pela agilidade do velho, que me pegou por baixo das axilas e me ergueu com facilidade, fiquei feliz e aliviado quando ele falou meu nome para toda a tribo ouvir: “Kabaro! Kabaro Camba!”
Também foi motivo de alívio o fato de eu não peidar nenhuma vez durante essa parte da cerimônia. Quando voltávamos pra casa, minha irmã começou a rir e falou baixinho: “Estava fedendo muito, viu?” Rimos bastante, e me lembro de ter ficado feliz. Demorei a dormir naquela noite, contemplando o teto de palha da nossa cabana e repetindo mil vezes em minha mente o meu novo nome, pelo qual eu seria conhecido e lembrado.
Assim, iniciou-se o que seria a minha primeira vida, através da qual eu cresceria forte, me transformaria em um habilíssimo caçador, um respeitado guerreiro, e aprenderia os caminhos da terra. Encontraria uma bela companheira, seria pai de muitos filhos e iniciaria uma grande descendência. A minha inteligência e a minha liderança ajudariam meu povo a se livrar de muitas dificuldades e um dia, eu alcançaria um papel fundamental na sobrevivência de minha gente. Em certa altura de minha vida adulta, enfrentaríamos duas pragas, uma de doença e outra de homens. Para não morrermos nem de uma nem de outra, tivemos que fugir e a minha esperteza e conhecimento seriam fundamentais para esse processo.
Ao termos que abandonar nossa terra, para renascer como uma tribo mais forte em um outro lugar, minha capacidade de manter nosso povo unido e confiante em nosso meio de vida seria recompensado com minha elevação a chefe, do que a princípio era uma tribo, e que com o passar das gerações, viria e se tornar uma nação.
Minha primeira vida começou na dúvida, mas terminou na certeza. Até então jamais o meu povo tinha passado por tão terríveis provações, e até então jamais meu povo tinha precisado tanto de um líder. E quando essa necessidade surgiu, eu assumi essa responsabilidade, não sem receios, não sem temor. Assumi a guarda daquelas pessoas famintas, expulsas de suas terras por agressão, por doença, por fome, por guerra. Como quem toma uma criança pequena e doente nos braços, incerto de sua sobrevivência, eu os acolhi. E a divindade sem nome que me escolheu, e que apenas ao velho curandeiro, meu velho mganga-avô deu a conhecer seu rosto, talvez tenha ajudado em minha missão. Me tornei rei, vivi muitos e muitos anos, lancei minha semente e espalhei meu nome e meus ensinamentos, e numa velhice tranqüila. Assim terminou minha primeira vida.

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