quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A Vontade de Mudar

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Há tempos um assunto tem percorrido os becos da minha mente, mas escapa toda vez que tento ter uma conversa mais séria com ele. Já conversei com ele algumas vezes no passado, e mais recentemente tenho visto sua figura várias vezes de longe. Sei que ele anda perambulando pelas partes menos iluminadas do labirinto das sinapses. Ora tomando umas e outras num bar de neurônios, ora olhando vitrines na alameda da distração, mas o resultado é sempre o mesmo: quando ele pode, eu estou com pressa; quando eu posso, ele desaparece. Hoje pensei no assunto novamente, e ele estava atipicamente disponível para conversar. Resolvi tomar um café da manhã com esse assunto, que atende pelo simpático nome de “vontade de mudar”.

Não devemos nos enganar pela simpatia, vou logo avisando. É um assunto deveras espinhoso. Já outras vezes não apresenta espinhos, mas mostra ser duro a ponto do impenetrável. Outras vezes é liso e escorregadio, impossível de segurar. Dar-lhe uma prensa então, encostar na parede? Nem a pau. Pra conseguir um diálogo com uma coisa tão difícil, só como eu fiz mesmo... Espera-se um dia que o assunto esteja de bom humor, senta-se numa mesa com o café colocado e aproveita-se a oportunidade. Na maioria das vezes, a experiência vale, pelo menos pra quem tiver os ouvidos atentos para o que a vontade de mudar tem a dizer.

Em uma das conversas que já tivemos no passado, ele me contou que as pessoas nesse mundo louco dos dias de hoje o tem interpretado muito mal. Desistiram de encarar a vontade de mudar, e é cada vez mais difícil encontrar quem tenha a capacidade de jogar com ela. Alguns abandonam a vontade de mudar, tratam-na como se fosse um veículo impossível. A mudança deixou de ser algo desejável de ser conquistado. Ou se compra, ou não existe. E a vontade de mudar me contou que hoje em dia há tantos impostores por aí... Ilusão, descrédito, teimosia, burrice, padronização, cultura de consumo exacerbado, falta de responsabilidade, falta de noção. Isso só pra citar alguns mais frequentes. Todos eles circulando nos mesmos ambientes que a vontade de mudar freqüenta, alguns até se metendo em seus negócios. Isso foi deixando a vontade de mudar mais arisca com as pessoas... E as pessoas mais ariscas com a vontade de mudar.

Já a conversa de hoje foi um tanto rápida. Afinal, era apenas um café da manhã. Tanto eu quanto a vontade de mudar tínhamos diversos afazeres pelo dia afora. Mas nosso café foi proveitoso, pois ela me contou que não gosta muito de morar no cérebro. Na verdade, cientificamente, tudo mora no cérebro. A vontade de mudar sabe disso, eu sei disso todos sabemos. Mas simbolicamente, ou a título de efeito prático, é melhor que não more. A vontade de mudar gosta de nascer no cérebro, gosta de ser educada por ele. Gosta da sofisticação que o ambiente cerebral lhe confere. O cérebro torna a vontade de mudar uma coisa factível. Mas é nas entranhas, é nas vísceras, é correndo no sangue que ela se realiza. Ela me contou que esse é um de seus maiores segredos. Ter nascido e ser preparada no cérebro a faz alguém digna de ser ouvida. Mas é só quando grita através de algum órgão, ou até de mais de um, ou até do corpo todo, que a vontade de mudar se sente possível. E mais real também.