sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A história de Kabaro - Parte 02



Na cerimônia dos nomes, cada criança era submetida à reza dos mgangas da tribo. Aguardava-se que o espírito-divindade que a tivesse escolhido soprasse um nome no ouvido do mganga, que diria em voz alta pra toda a tribo. Enquanto o mganga mais velho somente observava e concordava com cada escolha de nome, os outros mgangas realizavam danças rituais e bebiam uma aguardente forte que só eles sabiam fazer. Meu pai dizia que era parecido com o que se bebia em casa, mas que tinha ingredientes e ervas que só os mgangas conheciam, e fazia eles ouvirem a voz das divindades com mais facilidade.

Faltavam poucas crianças quando chegou a minha vez. Na hora de ser levado à frente de um dos xamãs, senti medo do mganga que iria me dar o nome ser um dos que não gostavam de mim. Fiquei muito nervoso, o que fez minha barriga doer um pouco, e eu peidei. Pensei com minha mente de criança se alguém ia perceber e se isso ia atrapalhar minha vida. Pensei se minha irmã percebeu, mas ela estava tão quieta que eu também me distraí do peido, porque aconteceu algo que chamou minha atenção: a música mudou.

Percebi que depois da música mudar, era o mganga mais velho que tinha se levantado, e que era sua voz antes silenciosa que mudou o tom do canto. Fiquei mais nervoso ainda, achei que o ancião tinha levantado porque eu tinha feito alguma coisa errada, e acabei peidando de novo. Só me senti um pouco mais calmo quando percebi que ao vir na minha direção, ele estava sorridente.

O velho mganga era um homem muito sério e respeitado. Sua barba branca e seu cabelo também rspeitavelmente branco (que circundava a cabeça mas faltava em cima) fizeram com que desde que eu aprendera a falar, quando zanzava pela aldeia, o chamasse de avô. Acho que esse fato tinha feito com que ele gostasse de mim, posto que eu não tinha a quem chamar de avô. Tanto meu pai quanto minha mãe não tinham mais seus pais vivos, desde antes de eu nascer. O velho mganga sabia que eu o chamava de avô de forma espontânea, jamais alguém tivera dito para que eu fizesse isso. Minha irmã contava que quando minha mãe tentou me corrigir uma vez, o próprio velho sorriu e disse a ela que não precisava. Assim, com aquele mesmo sorriso, o mganga-avô veio até onde estávamos e parou na minha frente.

O canto continuou e ele bebeu um gole do aguardente na boca da cabaça que outro mganga passou para ele. Ele abaixou na minha frente, seus olhos amarelados de velho brilhando e o seu bafo de bebida, que eu não achei ruim. Disse pra mim:

“Criança, disseram que você não teria nome porque nenhuma divindade te quis. Eu digo que não. Eu ouvi as divindades e elas disseram que uma divindade tomou posse de seu espírito e iria andar a seu lado. Mas era uma divindade que as nossas próprias divindades respeitam, e não ousam falar seu nome. Disseram que quando você estivesse pronto, iria saber seu nome. Até esse dia chegar, o seu nome sou eu quem vai dar.”

“Assim feito, em honra à família de seus pais, e dos pais de seus pais, eu te dou o nome de Kabaro, da casa dos Camba.”

(continua...)