quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O homem que não gosta de mulher


© sxc.hu

             O título pode ser enganador, eu sei. Mas depois de tudo posto às claras, tenho certeza que ficará mais fácil de entender o porquê da coisa. A questão é que existe por aí muito homem que não gosta de mulher. E não, meus amigos... não estou falando dos homossexuais. Com o direito que me compete de fazer o “trocaralho do cadilho”, nesse caso o buraco é mais embaixo. Ou mais em cima, talvez. É um buraco do tipo que psicólogos e sociólogos teriam mais familiaridade para explicar do que eu. Mas como estou aqui para descrever a fauna dos homens que não gostam de mulher, e não dos buracos psicossociais que os implicam, vamos ao trabalho.

             O homem que não gosta de mulher é uma espécie comum, está bem integrada à nossa fauna, tem se reproduzido em ritmo muito rápido, e à primeira vista tem muito pouca diferença do homem que gosta. Quase nenhuma, pra falar a verdade. Há mulheres que casam-se com eles e só vão se dar conta disso lá pelo oitavo, décimo ano de casamento. A descoberta é algo que contribui muito para as tão frequentes separações. É comum essa ficha cair na hora em que ela está mandando o cara pastar, em definitivo. Amiúde, esse tipo de homem ter sido criado por uma mãe sozinha, ou quando tivesse pai, por uma mãe que mandasse em todos, no pai inclusive. Mas não se enganem. Ele também pode ter sido criado por uma mãe submissa e anulada, ao lado de um paizão grosso, agressivo e boçal. Há diversos ambientes que geram um homem que não gosta de mulher, e cada um desses personagens citados pode contribuir bastante para a formação do nosso objeto de estudo.

             Temos aquela mãe que cria o garoto sozinha, por exemplo. Vinda de um casamento fracassado e de uma separação dolorosa quando ele era ainda muito pequeno, ela depositou no seu menininho toda a responsabilidade de ser o “cem por cento” da felicidade dela nesse planeta, e o trata dessa forma, como um presente que caiu do céu e que está acima de tudo que existe nesse mundo. Um ser divinal, uma criança dourada, perfeita e fonte de todo o prazer e alegria que uma mãe possa querer. Não é difícil de imaginar que uma criança amamentada por esse tipo de conceito realmente vá crescer se achando um presente perfeito, não só para a mamãe dele, mas por extensão automática, para todas as mulheres desse planeta. Temos aí se formando um homem que não gosta de mulher. Ele gostará que mulheres o bajulem, troquem suas fraldas, aceitem tudo que ele faça como se fosse lindo, que jamais fiquem bravas com ele porque ele afinal, é perfeito ora essa! E isso vale pra toda a vida adulta do bebê. Não é lindo?

             Mas o pai boçal também sabe produzir seus monstrinhos. A grosseria, a exagerada atenção à superficialidade, o amor único ao dinheiro, ao status, ao material e o machismo são ótimos alimentos para crianças que um dia serão homens que não gostam de mulher. Nesses casos, o menino cresce se espelhando naquele cara que trata garçons, empregadas, serventes e subalternos mal. Aquele cara que por mais rico que seja, fala alto e gosta de usar palavrões, dizendo-os com a boca cheia. É aquele que mesmo quando pertencente às classes mais abastadas, não abandona o sotaque carregado. O pai que olha a mulher gostosa na rua e não vê a mulher. Olha através dela. Fala “gostosa” para um conjunto de conceitos, e diz as palavras no automático. Uma figura humana rasa, mas que justamente por sua flagrante não-profundidade, consegue reservar espaços preciosos para se tornar muitas vezes um cara bem-sucedido. É muitas vezes malandro, escroque, desleal, predatório. Tem pelo sexo a gana que o viciado tem por certas drogas, que mal passam pela corrente sanguínea, já deixam a fissura no seu rastro. Sexo pra esse tipo de homem, e para os filhos que crescem idolatrando-os, é a suprema masturbação, tanto que não gostam de mulheres, apenas as usam como substitutos enfeitados das mãos para masturbarem-se. Os meninos criados para ser homens que não gostam de mulher muitas vezes são vorazes. Primam pela quantidade, e também pelo seu distorcido senso de qualidade, mas a quantidade vence. E o que é mais engraçado, é que eles muitas vezes pensam que gostam de mulher. Foram ensinados a demonstrar, a fazer o jogo, a aparentar. Em seu código de valores, dificilmente entra o interesse humano. Aquela curiosidade saudável pelo que é da natureza de outra espécie? Eles não ligam. Sabe aquela capacidade dos grandes craques do futebol, que parecem tratar a bola bem, que parecem bailar com a bola, justamente por respeitar seu formato redondo? Esqueça. O homem que não gosta de mulher não sabe fazer isso. Simbolicamente, no que diz respeito a saber como lidar com a pelota, ele seria a epítome do perna-de-pau do mundo do futebol.
           
             Não é de se admirar que esses meninos cresçam e desenvolvam-se bem. Criados nesse ambiente de tanta atenção, recebendo doses cavalares de amor, e tendo cada mínimo desejo atendido, viram rapagões vistosos. Chegam à adolescência conscientes de seu lugar num mundo onde as aparências reinam supremas. Um mundo ágil, visual e esquizofrênico, onde os conceitos vendidos pela mídia são a verdade mais absoluta, e até mesmo a postura contestadora é milimetricamente padronizada. Um mundo onde você já sabe as bandas que vai escutar, as drogas que vai usar e as cores que irá vestir. Onde o seu corte de cabelo dependerá da turma com quem você anda. E todas as meninas tiram exatamente as mesmas foto na frente do espelho. Nesse mundo onde o padrão é a lei, não se gosta mais de mulher. Gosta-se de simulacros de mulher. Admira-se proporções de peito, coxa e bunda. Toda mulher, é loira. Até a morena é loira. A negra é loira e a japonesa, também é loira!

             Os fashionistas tomaram o poder. O mundo da moda é o Quarto Reich, e os nazistas de passarela não gostam de mulher. Um dia, eles decidiram mandar todas as mulheres de verdade para os campos de concentração. Aqui do lado de fora, ficaram apenas cabides desenvolvidos geneticamente para andar, falar, usar roupas e convencer o resto do mundo de que são a única forma de mulher aceitável no planeta. Enquanto isso, as mulheres de verdade, vivendo em seus Auschwitzes e Treblinkas particulares, submetem-se às mais incríveis sessões de tortura, para ficarem parecidas com os cabides e poderem ser consideradas mulheres de novo. Permitem que médicos pouco qualificados façam com elas coisas que um dia (espero) serão consideradas tão bizarras quanto as câmaras de gás nazistas. Preenchimentos labiais que fazem a mulher parecer um baiacu, remoção de costelas para afinamento de cintura, anorexia, bulimia, inserir um tubo de plástico para sugar de forma aleatória e irregular nacos de gordura das próprias cinturas... Um verdadeiro show de horrores para fazer toda uma população que um dia foi vista simplesmente como mulher, se encaixar em um padrão. E na aurora desses novos tempos, os cabides estão ficando cada vez mais magros, as alterações mais radicais. E o número de homens que não gosta de mulher, mas sim de imagens, de estátuas, de objetos inanimados que não pensam nem interagem, aumenta também. Enquanto isso, os poucos que gostam do que um dia foi chamado de mulher de verdade passam por maus bocados. Sentem-se vazios ao olhar para os cabides de um lado, e assustados ao assistir o crescimento da população dos seus congêneres que não gostam de mulher. Só lhes (nos) resta aproveitar seus (nossos) últimos e bons momentos ao lado das suas amigas, namoradas, parceiras, esposas e seres queridos do intrigante sexo feminino, antes que elas se vão, para nunca mais voltar.