sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Verão, me dá um tempo?


Tem momentos na vida em que a mente pede desesperadamente um descanso. Não que a minha seja tão acelerada. Nem acho que seja. O descanso pedido aqui não é descanso dela mesma. Pobre da minha mente, não é tão culpada assim. E tem se comportado bem demais até, ultimamente. Ela quer descanso sim, é dessa realidade momentânea. Dessa realidade dura, incômoda. Uma realidade que se impõe demais, que invade a vida da gente sem pedir licença. Uma realidade que faz com que as tentativas mundanas de escondê-la por parte dos que estão próximos da nossa observação, pareçam tentativas tolas. Às vezes insultos à nossa já cansada inteligência. Por isso que às vezes a mente pede pra descansar.

O mundo é um lugar estranho, isso eu sempre soube. Tem momentos em que é possível gostar mais dele, em outros momentos se gosta menos. Algumas estranhices a gente suporta melhor, outras nos incomodam mais, mas de qualquer forma são onipresentes, as estranhices do mundo. Só que chega uma hora em que começo a querer muito que certas estranhices não existissem, ou que ao menos não me fossem impostas. Certos tipos de música. Certos tipos de clima. Certos tipos de padrão cultural... Certos tipos de assunto, que acabam se tornando uma espécie de agenda oficial da imbecilidade brasileira popular, e acabam estampadas na sua cara, você querendo ou não olhar para aquilo. E a pior sensação envolvida nesse processo em específico é saber que algumas dessas coisas são criadas especificamente para embriagar a mente de uma parte da sociedade. E a sensação que a gente tem ao descobrir que isso funciona? E quando sabe que não funciona conosco, mas com uma grande, majoritária parcela de todo o resto? Aí é a hora que a sensação de estranheza incomoda, e a gente fica com vontade de pedir para o mundo parar, que a gente quer saltar.

Sim, estou falando da mídia, estou falando do povão, estou falando de Big Brother Brasil, e estou falando do quanto me sinto um alienígena quando não me vejo representado nessa onda de imbecilidade que parece invadir nosso país a cada verão. Desde as "modinhas do verão" até os programas dos quais "todo mundo" fica falando, o incômodo é saber que por mais que você não dê a minima para essa estação tão incômoda, ela acaba te incomodando de um jeito ou de outro. Se o velho Vira-Latas entrou no modo "cão rabugento", o que me resta agora? Torcer pra que o calor não seja tão ridiculamente desconfortável, que eu tenha ao menos a liberdade de ler meus livros sem ter que ouvir um pagode xexelento como trilha sonora, e que houvesse uma enxurrada de lama não na Região Serrana do RJ, mas sim no Projac. Que levasse Boninho, BBBs e Bial, todos irremediavelmente embora da minha realidade.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Desacordos


Uma garganta rouca
A cabeça meio louca
E uma condição pouca...

Que mais pra calar minha boca?
Que mais para cobrarem de mim?
Que mais pra que seja assim?

E passam-se os dias, o ar sufocando
Num verão inclemente, subsaariano
Derretendo em suor cada um dos meus planos

E que me resta pra olhar nesse outro mundo?
Pessoas sozinhas, alheias no meio de tudo?
Almas corrediças, espíritos de grito mudo?

Que me resta pra fazer nesse calor febril?
Alinhavar profecias, com encanto juvenil?
Ou mandar certas pessoas para a ponte...
Aquela...
A que caiu.

Se a paciência me falta, não me culpo só
É culpa do bolo, do rolo, é culpa do nó.
Na boca do estômago e na garganta inflamada
Também é culpa dessa gente tão igual, coitada.

Acabo desejando a essa gente-cachorro,
Se comportando pior que os cachorros-gente
Se afoguem na limitação, e não chegue socorro.
Que tudo seja primavera pra quem pensa diferente.

Publicado no Recanto das Letras em 24/01/2011

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Quando a lama começa a secar...

© Felipe Dana/AP - G1.com
Hoje, a lama que cobre a Região Serrana do Estado do RJ começa a secar. É uma lama fétida. E o cheiro de morte que dali emana não vem dos corpos das vítimas ou dos restos de vidas e lares que foram arrastados. Mais da metade dessa lama é política. A lama que serviu de veículo para as pedras, pedaços de árvores, veio misturada à água da chuva que cai todo verão (desde sempre) na região. Quem vê os nossos governantes fazendo cara de coitadinhos na TV pode até pensar diferente. Podem até pensar que a enxurrada que atingiu velocidades na casa dos 80Km/h, seja fruto apenas de um inclemente desequilíbrio ecológico. Outros podem pensar que as avalanches de água, terra e pedras enormes que destroçaram as vidas de famílias inteiras sejam algum tipo de castigo divino ou sinal de algum tipo de final dos tempos. Poucos imaginam o quanto mais prosaicas e próximas são as razões para que tantas almas tenham se perdido para a catástrofe.

Já tive a oportunidade em outro texto, de falar sobre como vivemos em um estado de máfias. São máfias na política, máfias no mercado imobiliário, máfias nos transportes, máfias de todo tipo. Não seria diferente na bucólica região serrana. O Imperador D. Pedro II já tinha conhecimento, através do Major Júlio Frederico Koeler (executor do planejamento urbanístico de Petrópolis) da necessidade de proteger as matas nas encostas. Estas dependiam da profundidade das raízes das árvores para diminuir a possibilidade de deslizamentos, o que acabava por limitar a área que podia receber construções na geografia típica daquela região. Já se sabia disso no século XIX. Chega a ser escandaloso que hoje, em pleno século XXI, mal cresça um matinho sobre uma área de deslizamento para que comecem a surgir barraquinhos novamente por ali. Há algo de podre no reino do Brasil, Vossa Majestade Imperial.

Entre o início da década de 80 e meados da década de 90, Petrópolis pulou de cerca de 180 mil habitantes para quase o dobro disso em menos de 20 anos. Cito Petrópolis em específico, por ter nascido e vivido na cidade durante todo este período, mas a mesma coisa aconteceu de maneira semelhante em toda a região. Foi neste período em que se iniciou uma política insistente de assentamento de pessoas em comunidades carentes, patrocinada por políticos locais. Era a onda do “cada barraco, um voto”. Conheci pessoas em Petrópolis que moravam em bairros anteriormente agrícolas, que após tantos assentamentos se tornaram favelas, nos moldes das que existem nas maiores capitais brasileiras. Esses mesmos novos moradores, ao ouvir alguém falar mal do político responsável pelo inchaço naquela região, chegavam a brigar com quem levantasse dúvidas ao caráter do tal político. “Doutor Fulano foi quem deu o tijolo para eu construir meu barraco”, cheguei a ouvir uma vez. Assim acontece até hoje. Há políticos que conseguem votos e mais votos prometendo dentaduras a desdentados, mesmo que, simbolicamente entreguem 1 único dente a cada 4 anos. É fácil. Brasileiro não pensa. Brasileiro só reage.

Os mesmos políticos que assentaram muitas pessoas na região a título de criação de currais eleitorais, também possuem seus esquemas com a máfia imobiliária. Tornou-se fácil contornar leis ambientais e conseguir permissões para construir em locais que fariam o velho D. Pedro II arrepiar a barba. A partir do momento em que certas regiões da serra se tornaram destinos turísticos valorizados, a possibilidade de lucros atraiu as varejeiras mafiosas a esse suculento pedaço de carne. O que poderia se chamar de parceria público-privada-profana neste caso foi simples e eficiente. Bairros inteiros foram criados, casas de campo para a classe média-alta e alta, e mais assentamentos de populações menos privilegiadas em torno, afinal os mais ricos precisam de empregados, como sempre. Até que um dia, literalmente a casa caiu. Ou para ser mais exato, foi arrasada, destruída pela enxurrada.

Morreram ricos e pobres, humanos e animais, adultos, jovens, velhos e crianças. E a lama que vimos não é nem de longe a mesma que se vê nas encostas da região. É outro tipo de lama, aquela lama fedorenta, a mesma que cobre o chão de Brasília, a mesma que permanece invisível aos olhos de uns, mas evidente aos olhos de uns poucos. É a lama podre da qual nasce a política nacional. A lama da nossa falta de consciência. A lama do sentimentalismo sem pensamento. A lama da reação sem planejamento. A lama de quem reúne donativos para outros roubarem. A lama de quem tem piedade pelo próximo mas que não tem consciência de que a realidade só melhora com uma mudança de pensamento. E pensamento é o que mais tem feito falta na cabeça do brasileiro. Em especial na do povo do Rio de Janeiro. Em breve, a lama vai secar, a serra lamberá suas feridas, e se voltará a falar em futebol, Big Brothers, novela das 8, e o onipresente pagode com churrasco no fim-de-semana... Pobre população de bovinos, que ora pasta alegremente, ora é obrigada a rolar na lama.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Trabalhadores do Meu Brasil


Sonhei que o dia chegava
E tudo vinha mais fácil
Era o destino que me pagava
E ainda breve esperava
A minha vida tão dura
Tão suada e sacudida
Essa vida bandida
De quem trabalha sem futuro
De quem perde a saúde na lida
De quem dá todo dia duro
Sem saber de sua guarida

Sonhei que a noite chegava
E o descanso me bastava
E a dor, essa não tinha
E que a nega me sustinha
E os filhos me chamavam
E eu ria com eles na sala
E a coisa toda ia bem
E não devia nada a ninguém
Mas a vida não é assim
Não tem tanto pra mim
Não tem razão pra gemer
Mas não tem razão para rir
Só tem razão pra viver

Sonhei que o domingo chegava
E o som de passarinho cantando
E o barulhinho do café passando
Me dava um pouco de alento
Mas no meu tanto de sofrimento
É um domingo que passa
É mais um dia que vai
É uma vida quebrada
Que nem a pedra da vidraça
Da janela de meu pai
Que um dia eu quebrei
E que apanhei e chorei
E aprendi a ser homem
E a carregar meu nome
Com respeito e tristeza
Porque se o respeito existe
Existe mais a pobreza
E dessa, eu sei bem...
Nela eu vivo, me agüento
Trabalhando como jumento
Não importando qual empresa

Até o dia que cairei de cansado
Se vou morrer de repente
Ou se com a mulher do meu lado
Ou com os meninos em volta
Só Deus quem sabe, e Nossa Senhora
O dia certo e a minha hora
E o lugar que eu vou quando for embora.

Publicado no Recanto das Letras em 27/11/2008

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Mariposa

© Pixdaus.com

Gentil e suave mariposa,
Cegaste meus olhos
com o pó de tuas asas?

Porque tornaste meus dias
Cada vez mais embaçados?

Por onde voaste, leve peregrina?
Que mágoas e prazeres carregas,
E que ardores habitam teus pensamentos?

É essa mágoa que hoje me cega?
Ou é um prazer fazer meu olhar
Tornar-se esse confuso jogo de sombras?

Quando eu era criança
Tantas vezes temi encontrar-te
Tantas vezes fugi de ti.

Mas ainda assim admirava-te à distância
Hipnotizavam-me os olhos que carregas
Em cada uma de tuas asas.

E hoje, tamanha ironia
Eu por vontade própria, por total querer

Me abandono ao teu vôo incerto,
Me afeiçôo ao teu silêncio ancestral

E sonho contigo em vôos noturnos
E ao acordar, envolto em penumbra
Esfrego meus olhos, tal fazia em criança

E minha visão se vai,
Mesmo eu acreditando em seu sorriso,
Na suavidade de suas asas
E na paz que suas promessas trouxeram.

Publicado no Recanto das Letras em 11/01/2009

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Cachorro Molhado

© Eirik Solheim
Certa vez vi um cachorrinho
Correndo da tempestade
Corria entre as pessoas sozinho
Queria abrigo na verdade

Um vira-lata perfeito,
O pelo um pouco sujo, vá lá
Nada que um banho não dê jeito
Saudável, olhar aceso, a brilhar.

A chuva ameaçava cair
E o canino, pra lá e pra cá
Sem saber bem pr’onde ir
Querendo num canto ficar

Achou um caixote de papelão
Encostado numa calçada
Passou no meio da multidão
Sob o som das trovoadas
Mas o abrigo não deu não...
O vento levou, de revoada.

Correu, os primeiros pingos caindo
Um terreno abandonado, um poste
Perto de uma rua que ia subindo
No meio de umas coisas, caixote.

Tentou se ajeitar, era de madeira
Esse, o vento não ia levar
Mas furado, de qualquer maneira
Deixava a chuva passar.
Saiu de novo, não achava lugar

Ficou na rua, ali, desconsolado
Com aquela cara mais que peculiar
Típica de cachorro molhado.
Naquele aguaceiro a despencar
E assim, muito de mau jeito
Num banho bem do improvisado,
Mais limpinho, aquela cara de pena,
Foi por alguém resgatado.

Pois que passava uma moça, e o viu
Com aquela cara de “me tira daqui”
Pegou nosso amigo no colo e partiu
E hoje, ele passeia no sol por aí.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Máfias e Caos Sob Um Sol de 40 Graus

Praça da Bandeira Alagada. Em  1940.


Início da década de 90. Quando Fernanda Abreu lançou sua famosa música “Rio 40 Graus”, uma parte da letra atraiu muito minha atenção. Não era uma artista cujo trabalho me despertasse grande admiração. Naqueles idos de 1992, eu pouco tempo depois de entrar pra faculdade, gostava mais de rock’n roll puro e simples. Fernanda era artista “de rádio”, do mundo pop, mas essa música em especial me fez pensar sobre aquele Rio de Janeiro que eu começava a conhecer e por causa da faculdade, freqüentar seis dias por semana. Depois de ter nascido e sido criado no ambiente ainda bastante interiorano da minha cidade natal, era um pouco intrigante ainda ouvir uma música falando tão bem/mal do Rio.

Até então eu me lembrava do Rio cantado apenas como a Cidade Maravilhosa. Não tinha contato mais próximo ou marcante com qualquer outra música que falasse do Rio não-maravilhoso. É claro que eu sabia que o buraco de bala era mais embaixo, mas não através de letras de músicas. Até prestar atenção na letra da Rio 40 Graus. O purgatório da beleza e do caos cantado por Fernanda era algo muito pertinente, uma observação esperta (ixxxperrrrta) do que o Rio de Janeiro passou a ser durante os anos 80, já emergindo com força nos 90. A bolha de pus tinha crescido, era hora de estourar. E a letra falava justamente disso.

Um aspecto da canção que desde aquela época me impressiona é o momento em que se fala das máfias, submáfias, dos governos paralelos, submundos e comandos. Talvez seja essa a característica do universo do Rio de Janeiro que mais represente o atraso do estado. Talvez seja uma característica tipicamente brasileira, alguns diriam. Mas não há como se livrar a cara do Rio nessa. Assim como os peitos e bundas no carnaval, as máfias e submáfias, os comandos, submundos e governos paralelos, podem existir em qualquer lugar do Brasil. Mas é aqui no Rio que eles aparecem no auge de sua sem-vergonhice, que rebolam ostensivamente sua impunidade. Andam com pouca roupa, dão mole pra quem quiserem e são esfregados na sua cara, mais do que em qualquer outro lugar no país.

Vivemos no estado do governo paralelo das mulheres que querem ser tão “malandras” quanto os homens. Vivemos no estado em que as empresas fogem para não pagarem mais impostos à máfia dos fiscais do que já pagam ao governo. Vivemos no estado onde o comando das boates de luxo paga um gaiato na Ilha do Governador para preencher garrafas vazias de Chivas Regal com Old Eight. Vivemos no estado onde alguém lucra tanto com o tráfico de drogas que consegue calar a boca de governadores, polícia rodoviária, autoridades portuárias, clero, exército, marinha e aeronáutica. Vivemos na terra abençoada por Deus e bonita por natureza, que produz mais lixo que a bem mais populosa e inflada São Paulo. Vivemos na terra dos que se orgulham de ter praia no quintal, mas que nesse lugar tantas vezes cantado como democrático, deixam toneladas e toneladas de lixo e falta de educação a cada fim-de-semana. O Rio não é o berço da máfia, mas os italianos tem lições a aprender conosco. Há 500 anos a terra de São Sebastião acomoda também a mais pura inércia dos não-mafiosos em suas ruas inundadas no verão. Aqui, servindo aos mafiosos vive um povo que quer ser mafioso também. Um povo que gosta de sambar na lama da enxurrada, driblar com galhardice os sacos de lixo que boiam na mistura de água e urina de foliões carnavalescos.

O que esperar de um lugar que foi capital, e ainda exibe o ranço amargo daqueles que perderam um cargo? Não que o “Ridijanêro” tenha que se preocupar, afinal está sendo substituído no cargo de Distrito Federal da filhadaputice com mérito extremado por Brasília. Mas ainda assim, a terra dos 40 graus não se emenda. Mesmo sem a obrigação de ser a capital do Império, continua-se aqui infelizmente sob ares de terra imperial deixada sob a responsabilidade de um regente. E um daqueles regentes do tipo gerente de empresa antiquada. Nunca está, nunca aparece, só recebe sua parte e sabe-se lá Deus onde passa o resto do tempo. No fim, a empresa não é dele. Aliás, ele nem sabe quem é o dono. Nem nós sabemos. Do Rio de Janeiro? Não faço a mínima idéia. Se esse lugar puder ser considerado terra de alguém, eu desconheço o proprietário.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Black Swan


Darren Aronofsky conseguiu de novo. Já não é de hoje que o diretor chega como quem não quer nada e apresenta em mais um de seus filmes, normalmente produções de orçamento modesto (levando em conta o gigantismo das cifras hollywoodianas), com tramas muitas vezes simples, e acaba por arrebatar corações e mentes nas salas de exibição. Apoiado em roteiros espertos, atuações precisas e competentes, e com uma direção orientada a um cinema bastante puro, onde todo o aparato tecnológico, cenográfico e humano está direcionado à mais primordial das necessidades da sétima arte: contar uma história.

E neste Cisne Negro (por mim carinhosamente apelidado numa piada interna de “A Galinha Preta”), o cara conseguiu mais uma vez. Eu já tinha sido acertado por ele na boca do estômago por Réquiem Para um Sonho. Um filme forte, onde despido de todo o melodrama, trocado sem pena pela mais pura contundência ao tratar do assunto do vício e a fuga da realidade. Fui conquistado em O Lutador, pela precisão e pela capacidade de contar a mais prosaica das histórias de uma figura do cotidiano, através de uma pequena poesia urbana que é a vida de um personagem quase marginalizado, e mais, tirando uma atuação espetacular de um já desacreditado Mickey Rourke.

Através da história da bailarina que está prestes a ser alçada à posição de estrela da companhia, prestes a estrear uma importante montagem de O Lago dos Cisnes, o filme nos joga de cabeça na espiral de loucura que se torna a vida de Nina, interpretada por uma Natalie Portman perfeita. Através dela, assistimos a normalmente obsessiva rotina da busca pela perfeição no balé clássico. Vemos sua vida ao lado de uma mãe ex-bailarina e opressora, que não se furta a fazer o velho jogo do “larguei tudo por você”. Acompanhamos o stress das exigências do preparo de um grande espetáculo na sua cabeça insegura e com precária estrutura emocional. Acompanhamos o choque entre sua personalidade submissa e a chegada de uma concorrente extrovertida e igualmente competente. Todas essas nuances torturantes nos são mostradas com precisão, à medida que tudo começa a ruir em volta de Nina, tanto a sanidade, quanto o tempo, e seu próprio eu. E créditos à atuação de Natalie, que consegue transmitir todo o inferno emocional de sua personagem sem se apoiar somente no texto, já que o roteiro é muito mais focado na emoção percebida e no subtexto do que no texto propriamente dito.
Adicione-se a isso a trilha sonora, a ambientação, os efeitos especiais perfeitamente submetidos à tarefa de ajudar a contar a história (e jamais o contrário), e a maestria com que o filme costura tanto os elementos do roteiro quanto as performances dos atores. Esses toques magistralmente colocados, também contribuem de maneira fundamental para tornar a Galinha... ops... O Cisne Negro uma grande experiência de cinema. É o tipo de filme que gostando ou não, dificilmente deixa quem assiste impassível. Mais um golaço do diretor, um filme que merece ser assistido.

Temporais de Janeiro

© thedailygreen.com

Há dias em que preciso dizer não ao cansaço
Em que preciso correr do desconforto
Dias em que preciso receber um abraço
Mesmo que seja da memória de um morto...

Há dias em que tudo parece fechado, sem saída
E ainda assim eu sorrio, olho as nuvens e o mar
E continuo caminhando, no calor da avenida
Mesmo quando a chuva ameaça despencar

Há dias em que a minha rotina se inunda, alaga
E meus sonhos flutuam, sacos na enxurrada
E mesmo assim minha alma ainda se indaga
Se quando o sol voltar, ainda estará ali a estrada...

Nos dias em que o suor escorre e tudo é calor
Sufocado, e limitado por razões a escolher
Invento poesias pra amenizar minha dor
E por bem ele aceita, pra parar de doer

Nesses dias em que tudo que conta são mágoas
E tragédias, fracassos e pontes partidas
Eu ignoro os destroços, e mergulho nas águas
E resgato algumas esperanças perdidas

E sigo assim, defesa civil de meu próprio eu
A salvar alegrias ilhadas, e sorrisos perdidos
Ou algum sentimento que alguém esqueceu
Na seção de triagem dos meus donativos

E quando o período das chuvas se for
Os moradores voltando para as suas casas,
Procurando cada qual consertar seu amor
E deixando seus sonhos secarem as asas.

Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2010

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Inconstância

Inconstante é a minha vida,
A minha lágrima escorrida
Tão duramente parida
Por uma raiva sofrida

Inconstante é o meu alento
Que chega quieto, vai pro canto
Voa, esvai-se com o vento
Me deixa a sós com meu pranto

Inconstante é o meu querer
Paradoxo constante, tão certo
Que me alfineta, sempre por não ter
O que, e quem eu quero por perto.

Inconstante é meu passado
Que mesmo por ter caminhado
Em meu passo lento, cuidado
Me faz sentir todo dia,
Que errei, que estou enganado

Inconstante é meu presente
Que faz meu peito dormente
Bater meu coração de presente
Bater com ritmo de bebum
Baixo como pia o mutum
Ofertando-se barato
Deitando-se em qualquer prato
Fosse então eu, qualquer um

Inconstante é meu futuro
Um rio de inconstância a passar
Um olhar por cima de um muro
E um destino que dá medo olhar

Inconstante é tudo na vida
É a lágrima, é o rio, é o coração
É a chegada, é a partida.
Inconstante é o local da ferida,
Inconstante é a certeza e o perdão.

Inconstante sou eu e o meu sofrer
Inconstantes somos, sofremos.
Inconstante é a felicidade e o prazer
Assim, Inconstantemente, vivemos.

Publicado no Recanto das Letras em 13/09/2009

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A Vontade de Mudar

© itsallonething.com
 
Há tempos um assunto tem percorrido os becos da minha mente, mas escapa toda vez que tento ter uma conversa mais séria com ele. Já conversei com ele algumas vezes no passado, e mais recentemente tenho visto sua figura várias vezes de longe. Sei que ele anda perambulando pelas partes menos iluminadas do labirinto das sinapses. Ora tomando umas e outras num bar de neurônios, ora olhando vitrines na alameda da distração, mas o resultado é sempre o mesmo: quando ele pode, eu estou com pressa; quando eu posso, ele desaparece. Hoje pensei no assunto novamente, e ele estava atipicamente disponível para conversar. Resolvi tomar um café da manhã com esse assunto, que atende pelo simpático nome de “vontade de mudar”.

Não devemos nos enganar pela simpatia, vou logo avisando. É um assunto deveras espinhoso. Já outras vezes não apresenta espinhos, mas mostra ser duro a ponto do impenetrável. Outras vezes é liso e escorregadio, impossível de segurar. Dar-lhe uma prensa então, encostar na parede? Nem a pau. Pra conseguir um diálogo com uma coisa tão difícil, só como eu fiz mesmo... Espera-se um dia que o assunto esteja de bom humor, senta-se numa mesa com o café colocado e aproveita-se a oportunidade. Na maioria das vezes, a experiência vale, pelo menos pra quem tiver os ouvidos atentos para o que a vontade de mudar tem a dizer.

Em uma das conversas que já tivemos no passado, ele me contou que as pessoas nesse mundo louco dos dias de hoje o tem interpretado muito mal. Desistiram de encarar a vontade de mudar, e é cada vez mais difícil encontrar quem tenha a capacidade de jogar com ela. Alguns abandonam a vontade de mudar, tratam-na como se fosse um veículo impossível. A mudança deixou de ser algo desejável de ser conquistado. Ou se compra, ou não existe. E a vontade de mudar me contou que hoje em dia há tantos impostores por aí... Ilusão, descrédito, teimosia, burrice, padronização, cultura de consumo exacerbado, falta de responsabilidade, falta de noção. Isso só pra citar alguns mais frequentes. Todos eles circulando nos mesmos ambientes que a vontade de mudar freqüenta, alguns até se metendo em seus negócios. Isso foi deixando a vontade de mudar mais arisca com as pessoas... E as pessoas mais ariscas com a vontade de mudar.

Já a conversa de hoje foi um tanto rápida. Afinal, era apenas um café da manhã. Tanto eu quanto a vontade de mudar tínhamos diversos afazeres pelo dia afora. Mas nosso café foi proveitoso, pois ela me contou que não gosta muito de morar no cérebro. Na verdade, cientificamente, tudo mora no cérebro. A vontade de mudar sabe disso, eu sei disso todos sabemos. Mas simbolicamente, ou a título de efeito prático, é melhor que não more. A vontade de mudar gosta de nascer no cérebro, gosta de ser educada por ele. Gosta da sofisticação que o ambiente cerebral lhe confere. O cérebro torna a vontade de mudar uma coisa factível. Mas é nas entranhas, é nas vísceras, é correndo no sangue que ela se realiza. Ela me contou que esse é um de seus maiores segredos. Ter nascido e ser preparada no cérebro a faz alguém digna de ser ouvida. Mas é só quando grita através de algum órgão, ou até de mais de um, ou até do corpo todo, que a vontade de mudar se sente possível. E mais real também.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A Alquimia do Ser Vivente

©2010-2011 Andy Park

Quando a espuma das ondas tocou seus pés
Lavando um pouco da areia da praia,
Enquanto ele caminhava, sem pensar no tempo
Como se andasse no convés de um velho navio
Preocupado, ao ouvir no abafado som do mar
O prenúncio de uma perigosa calmaria...
O experiente marujo estudava as nuvens, o jeito do ar
E na verdade se preocupava, pois a falta da tormenta
Era para ele o prenúncio da morte.

E tinha tanto, tanto medo de morrer.
Ele, que viveu tantos anos, coração sempre aos saltos
Ele, que aprendeu a por esse mesmo coração num altar
E jamais questionar nada que fosse que dali viesse,
Hoje tinha medo desse mesmo coração lhe falhar...
E voltava a esse seu deus interior toda força de sua prece.

Ele que tinha amado tanto, a tantas mulheres,
Carregava cada uma como um precioso tesouro.
Mal sabe que a cada uma, por prateados talheres,
Teve sua lembrança apagada, por perfume e por ouro...
Mas ainda assim se enganava, ainda assim se iludia.

Em certo momento, no caminho na praia...
Um anjo do céu lhe apareceu.
Trajava um capote e em vez de auréola, um chapéu
E trazia nas mãos um caduceu.
Era um anjo-alquimista, era um mero plebeu...
Mas ao seu lado caminhou e a conversa que veio,
Fez o homem escutar, e pensar sem rodeios.

O anjo falou das diversas esferas...
Da mágica união, entre o saber e o sentir
Deu ciência da luz, de Trismegisto, e das feras
De procurar o que passou e o que está por vir.
Falou do quanto nos prendemos a idéias
Que nos engessam, que nada transcendem
Que perseguimos como os lobos nas alcatéias
Aceitando embrulhadas do jeito que nos vendem.

E o homem que ria, chorava, e com o tempo se preocupava
Pensou diferente, talvez mais um pouco
No quanto aquela saudade do nada lhe pesava
E nas tantas vezes  que se acercou de ficar louco
E mais que pensar, passou a sentir
Não aquela paixão selvagem de um músculo controverso
Sentiu outra coisa, subiu aos céus e desceu à terra
E aprendeu que de um lado só, não é o inverso
É na duplicidade, cabeça e coração, que se encerram
Os segredos da vida, do amor, e de todo o universo.

O Fantasma da Esperança


Uma das características míticas do brasileiro é a tal da esperança. Ela flutua no imaginário e no coletivo da nossa sociedade de maneira quase espiritual. Para uns, mais identificados com o que se espera da tipicidade tupiniquim, ela assume um ar de fé, de crença quase religiosa. Acaba virando aquela coisa sobrenatural em que se escoram com simplicidade e credulidade muitas e muitas pessoas. Para outros, ela é outra coisa. Entre esses outros, há os que se rebelam em vestir a carapuça das características que nos são impostas. Temos os que não conseguem ver graça no pacote samba-praia-carnaval-futebol. Engrossam o time os que cospem no prato que comem porque nele acabam vendo mais jiló do que filé mignon. Tem também a turma que cresceu influenciada pelo pensamento de que “lá fora” tudo é melhor, como se lá vivessem seres de outro planeta, incapazes das mesmas mediocridades que nós. A todo esse heterogêneo apanhado de revoltados com o ser brasileiro, a esperança é mais uma das características que gostam de desprezar, por força da política de suas preferências.

Daí que toda vez que há uma mudança de governo, de presidente, de síndico do prédio, de técnico do clube de futebol, de gerente na empresa, de vereadores, prefeitos ou deputados, a esperança volta a baixar nos terreiros. A esperança boazinha e etérea, quase inacreditável daqueles primeiro grupo, ou a maldita esperança fantasma, aquela que os do segundo grupo se esforçam para odiar como parte do ser coletivo tupiniquim terceiro-mundista que eles amam odiar. E em qualquer um dos casos, há razão para tal. A esperança é etérea nos dois casos, intangível e inócua. Ambos estão com razão, um por acreditar na esperança como uma superstição, e outro por desacreditá-la como uma balela. Ambos acertam porque se analisarmos como a coisa toda funciona, não há espaço para esperança quando se fala de política – de qualquer tipo não só a governamental – no Brasil. Somos um país político, e política e esperança não são excludentes, apenas profundamente incompatíveis.

O Brasil é um país planejado. Muito bem planejado, diga-se de passagem. Para dar certo pra poucos e errado para muitos, e funciona como um relógio. E é justamente no funcionamento desse relógio que a tal da esperança tem apenas uma função decorativa, jamais interferindo com a máquina. Até a esperança foi planejada para ser como é por aqui. Vivemos em um país fundado em alicerces sólidos. Alguns desses alicerces atendem pelos nomes de burocracia, favorecimento, paternalismo, visão de curto prazo, nepotismo, desprezo à meritocracia, corrupção endêmica, “puxa-saquismo” e “quem indica”. São conceitos que passaram (e continuam) incólumes por toda a História da Terra Brasilis, da colônia à república. Não espanta que nenhum tipo de esperança, desejada ou não, consiga sequer arranhá-los.

Como é típico dos que pretendem olhar de fora, não me arrisco a tomar partido de nenhum dos dois grupos que abordam de maneira oposta a esperança que existe de que tenhamos dias melhores, seja em casa, seja na cidade, seja no país. Só consigo pensar que o sistema só muda de dentro. E como todos nós continuamos os mesmos, sejam os resignados, sorridentes e bovinos da massa de manobra, sejam os revoltadiços, os pirracentos e tantas vezes equivocados que dizem odiar isso aqui como adolescentes brigando com os pais, não vejo mudança tão cedo. Até nisso o projeto foi terrivelmente bem construído. Cabe o contentamento com pouco de uns, o descontentamento inócuo de outros, e a eterna permanência do status quo do projeto original: explorar, destruir, sugar tudo que há de bom, não ver o que poderia ser muito melhor, e ir gastar tudo lá fora, provincianamente. E assim segue o carro de boi, mais de quinhentos anos depois.