quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Três é Demais? (Parte II)


Seguiu o plano, os dois acertaram os detalhes. Toda a logística seria providenciada por Ronaldo, cabendo a Mariana a palavra final sobre cada detalhe do processo. Ela não deixava de admitir que a hipótese de acontecer, todo o planejamento cuidadoso, toda a antecipação do evento a fazia sentir um pouco daquela ansiedade que Ronaldo demonstrara a princípio. Ele, por sua vez, já não demonstrava todo aquele comportamento que ela tanto estranhara a princípio. Com o acontecimento se desenhando no horizonte, ele tinha aos olhos dela voltado um pouco ao normal, o que ela não deixava de achar bom. Com Ronaldo capitaneando o processo, Mariana acompanhou a criação de perfis do casal em um site de encontros adultos, e opinava em tudo, às vezes sentindo um pouco daquela insegurança inicial, mas às vezes sentindo também um pouco dessa nova excitação pelo desconhecido. Passaram um período considerável de tempo nessa coisa de fazer perfil, escolher fotos, avaliar contatos e tudo mais. Mariana tinha que reconhecer uma coisa, seu marido tinha tomado cuidados para que o processo de busca por um parceiro fosse o mais tranquilo possível. Nessa etapa, ele não demonstrava pressa em escolher alguém nem aparentava estar afoito. Deixava que ela ditasse o ritmo, e volta e meia eles conversavam sobre as características de um eventual parceiro, o local mais adequado para levar a termo a fantasia, e outros detalhes.

Uns três meses depois de montarem o perfil, já tinham descartado um punhado de pretendentes virtuais que por uma razão ou outra pareceram inadequados. Lá pelo quarto mês, começaram a se corresponder por e-mail com um dos poucos candidatos da própria cidade deles que sobreviveu ao “pente fino” que fizeram. Alex era um cara tranquilo, não demonstrava aquele desespero ridículo de muitos que infestam os sites de procura por parceiros sexuais. Parecia entender todas as implicações do que buscava, e nas conversas iniciais que tiveram ele deu a entender que apesar de não muito experiente no assunto, já tinha tido oportunidade de praticar ménage e sexo grupal algumas vezes. Chegaram ao ponto em que tudo parecia ok, trocaram fotos e todos ficaram satisfeitos com o que viram. Mariana achou o rapaz atraente,Alex achou o mesmo dela, e Ronaldo achou que ele não tinha uma aparência que destoasse do casal. O momento se aproximava. Apesar de ainda se mostrar animada com tudo aquilo, bem mais que no princípio, Mariana ainda tinha (embora talvez naquele momento sequer percebesse) plantado lá no fundo de si aquela pequena semente intuitiva. Mas era cada vez mais fácil ignorá-la. Ronaldo e ela discutiram vários detalhes, e ela embarcou com sinceridade no tesão dele. Ao perceber o quanto ele ansiava por vê-la possuída por outro, por dividi-la com outro, os momentos em que falavam no assunto enquanto faziam sexo e se tornavam cada vez mais quentes e intensos. Mais uma vez, a segurança que Ronaldo lhe passava ao repetir sempre que era apenas uma fantasia como muitas que já tinham realizado, só que um pouco mais picante, fazia com que suas intuições ficassem cada vez mais ocultas nos bastidores de sua mente.



Enfim, o dia chegou, com toda a pompa e circunstância. Encontro cuidadosamente planejado, lugar escolhido, um motel que por precaução estava entre os que eles menos freqüentavam, e cujo acesso facilitava a entrada de uma pessoa a mais no carro sem que se criasse um problema. Nesse dia, pela manhã, Mariana sentiu uma pontada mais forte de sua velha intuição, mas não com força suficiente para que sentisse vontade de pisar no freio da situação. Lembrou-se de que era apenas uma fantasia, como costumava dizer seu marido. Além de tudo isso, Alex tinha demonstrado ser, durante todo o período da aproximação, uma pessoa legal. Tiveram oportunidade de confirmar isso uma semana antes, quando marcaram um chopp para conhecê-lo pessoalmente. Sentaram-se num bar conhecido da cidade e conversaram por horas, como bons amigos. Em alguns momentos o papo escorregou para coisas mais picantes, mas em momento algum Alex foi direto ao assunto dos planos que tinham. Preferiu contar histórias de suas experiências anteriores. Era discreto, não revelava nomes, mas soube narrar as histórias de um jeito que deixara Ronaldo e Mariana extremamente excitados com aquele universo que estavam a poucos dias de experimentar. Nessa noite, ao chegar em casa fizeram sexo num grau de intensidade que poucas vezes tinham alcançado em todos os anos em que estavam juntos.

Assim, no dia em que finalmente foram para o motel com Alex, por incrível que pareça, nada foi muito longe do esperado. Mariana conseguiu controlar um pequeno nervosismo inicial, Ronaldo se deliciou como esperava, e Alex cumpriu o papel que o casal esperava dele. Passaram horas, se divertiram, gozaram todos dos prazeres que tinham ansiado para aquela ocasião. O que de realmente notável pode ser dito desse dia, não foi o que aconteceu nele, mas o que aconteceu a partir dele. Passada a ocasião, Alex deixou-se disponível para repetirem sempre que quisessem a brincadeira. E demorou um pouco para que Mariana percebesse que algo havia mudado.



Algumas semanas depois, percebera uma quase imperceptível queda no tom de ânimo de Ronaldo. Coisa que só uma mulher percebe em entes queridos próximos. Não tocou no assunto de pronto. Deixou passar o tempo para ver se algo mudava. Mais algum tempo e algumas transas um pouco menos satisfatórias que o normal deles, Mariana percebeu que Ronaldo também tinha diminuído muito seu costume de falar em fantasias ou mesmo as safadezas de sempre durante o sexo. Começou a sentir-se mal cada vez mais, até o momento em que teve segurança o suficiente para tocar no assunto, sem que o marido pudesse escapar com o famoso “nada não”. Mariana arrependeu-se imediatamente de ter perguntado, pois ao invés da evasiva esperada, a reação de Ronaldo era estranha, diferente do que estava acostumada. Tinha dado uma desculpa esfarrapada, sem nenhum cuidado de parecer plausível, coisa que ele jamais tinha feito com ela. Imediatamente ela sentiu que havia algo de muito errado com ele. E não demorou muito tempo para que seus sentimentos se confirmassem com fatos. Aos poucos Ronaldo foi ficando mais e mais arredio, mais e mais acabrunhado, mais e mais estressado. O sexo diminuiu sensivelmente de quantidade, duração e qualidade.



Até o momento, em uma discussão rotineira em que os ânimos se elevaram, trocaram farpas que não tinham nada a ver com o assunto inicial. Mariana acabou mencionando a queda na qualidade sexual e Ronaldo explodiu de maneira irracional. Começou a dizer de forma descontrolada que Mariana gostava mais do sexo de Alex que do dele, que Mariana estava deixando de gostar dele, que ela tinha pensamentos com Alex o tempo todo. Mariana não podia acreditar no que ouvia, era um sentimento de mágoa profunda que brotava em seu coração. Sentia-se tão mal quanto, talvez pior do que se tivesse sido traída. Em questão de segundos milhares de pensamentos formaram um turbilhão em seu cérebro, sendo que conseguia distinguir apenas uns dois ou três, e ficou completamente fora de si. Lembra de pouca coisa do que disse, mas dentre elas, de ter mencionado repetidas vezes que a idéia foi dele, de Ronaldo. Que no início ela não queria. Que ele insistiu que era uma coisa que correria com tranqüilidade. À medida que os ânimos continuavam elevados e o teor de irracionalidade nos argumentos, resmungos e acusações de Ronaldo não diminuía, ela ia experimentando um sentimento que jamais tivera por seu marido, mesmo nas piores brigas que porventura tiveram naqueles 12 anos de convivência. Aquela semente de intuição que antes ela conseguira ignorar diante da excitação do novo, agora tinha crescido e se transformado em uma planta de desgosto. E a atitude de Ronaldo contribuía para nutrir as raízes dessa planta, e torná-la cada vez mais forte.


A mágoa de Mariana cresceu, um extremo desagrado pela atitude de Ronaldo fazia com que dali pra frente, o diálogo entre os dois fosse cada vez mais difícil. De um casal feliz, aos poucos foram passando a conviver num habitat cada vez mais inóspito. A atmosfera entre os dois era mais rarefeita que nunca. Pouco falavam que não fosse de assuntos do cotidiano, ambos conscientes de que qualquer tentativa de voltar ao fatídico tema poderia resultar em nova torrente de acusações impensadas, mal-estares e decepções. Ronaldo oscilava entre um arrependimento mal-humorado e um ressentimento anormal. Mariana entre uma mágoa crescente, misturada a um desapontamento triste, doído. Ambos se tornavam cada vez mais apáticos à medida que cada tentativa de retomar a conversa ou colocar o relacionamento nos eixos fracassava. O que no início eram brigas com agressivas trocas de acusações, aos poucos foram se tornando conversas cada vez mais evasivas, oblíquas e sem clareza de intenções. Passados alguns meses naquele clima péssimo, num momento calmo em que o desânimo mútuo era palpável, decidiram por separarem-se. Algum tempo depois, Mariana pensou em Alex. Lembrou em detalhes daquele dia em que fizera sexo com ele e com seu marido, mas com certa melancolia, percebeu que pouco lembrava do rosto de Alex. Já de Ronaldo, não fazia questão de lembrar. A planta do desgosto tinha crescido, dado frutos e ela esperava o momento em que a mesma planta morresse. Talvez assim, sem as sombras que ela lançava, o sol voltasse a lançar raios sobre seu coração.
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Esse texto não foi escrito para apoiar ou para ir contra a experiência à qual o casal retratado se propôs. Antes de mais nada, desejei traduzir nele a idéia de que mesmo as mais corriqueiras experiências de vida podem ter resultados completamente diferentes em função do quanto seus protagonistas estarão (ou não) preparados para vivenciá-las. Sigo acreditando que viver é complicado: exige arte, competência e capacidade de assimilar porradas. Não vejo com olhos românticos aqueles que caem no caminho, abatidos pelas porradas. É como disse sabiamente o personagem cinematográfico Rocky Balboa, (a vida) “...se trata do quão forte você apanha e  consegue seguir em frente”.