terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Por trás da Cortina de Algodão-Doce



             Não adianta negar. Também não adianta fantasiar a respeito. Uma hora passa. Uma hora esquecemos. Uma hora o cheiro vai embora, o toque da pele desaparece das nossas memórias e até mesmo a voz é perdida no passado. A não ser, claro que tenhamos a pessoa por perto (e perto o suficiente) para nos lembrarmos de todas essas coisas. Ou que tenhamos uma dose extra desse veneno chamado apego correndo em nossas veias.
             Alguns alegam que é inesquecível, que é algo que fica marcado pra sempre. Normalmente os mais românticos. É mentira. Principalmente porque românticos gostam de mentiras. Tem preferência pelas mentiras mais doces. Mentiras algodão-doce. Cheirosas, macias, atraentes (e tão nutritivas) como uma nuvem de açúcar presa a um palito.
             Na verdade, esse romantismo que aí está é uma grande máquina de produzir covardes. Só que produz covardes que pensam ser heróis. Seu intrincado mecanismo produz ilusões de grandeza que fazem o mais medíocre movimento tomar ares de bailado. E o mais injustificado dos vícios ganhar justificativas até os confins do tempo e do espaço. É um romantismo que se diz democrata, mas oculta um totalitarismo ferrenho. Uma vez instalado na qualidade de sistema de governo, ele produz fanáticos, capazes de isolar e enviar a gulags de preconceito qualquer um que sequer sugira existência de vida fora de suas róseas fronteiras. O tempo desse romantismo passou, seus índices e conquistas já não se sustentam mais. É causa que só continua arrebanhando seguidores à custa de estatísticas fraudadas e sistemático ataque a uma maioria que pouco é dada a pensar.
             Uma grande verdade é que a alternativa é difícil. Sentir de verdade e pagar o preço por isso, sem a ilusão atrelada de corações alados num céu cor-de-rosa? É tão duro quanto gratificante, apesar de ser uma atividade muitas vezes solitária. Saber-nos inteiros, e procurar pernas que andem ao nosso lado em vez de muletas que nos sustentem? É muitas vezes terreno árido, até frustrante. Buscar equilíbrio e paz em um mundo onde o extremismo e o conflito são vendidos como um amargo e padronizado pão de cada dia? Requer coragem negar esse pão, que os simplórios comem até acharem-no delicioso. Saber a diferença entre sentimento e sentimentalismo? Entre amor e romantismo? Entre beleza e pieguice? Há que se ter nervos de aço, estômago de avestruz, olhos de águia e por vezes, saber dar coices poderosos. Escapar de patrulhas de idiotas especialmente treinados cujas únicas e brutas armas são relativizar nosso desconforto e acusar-nos de generalizadores? Requer habilidades refinadas, argumentação sólida e paciência monástica, pois todas as missões são difíceis nessa zona de fronteira.
             Mas chega o momento em que você descobre que é possível. Que há um jeito. Que consegue-se esquecer, barrar a influência e a dor das velhas feridas. Um dia, aprende-se o que é o apego, reconhece-se quando ele nos domina, e os momentos em que ele é perfeitamente dispensável. E o dispensamos. À medida que caminhamos em nossa jornada, aprendemos uma preciosa lição. A nossa sobrevivência com saúde e qualidade de vida emocional depende puramente de aprender a escolher o que levamos conosco e o que deixamos para trás. Pra isso, precisamos ampliar o conceito, e usar nossa visão não só para enxergar, mas também para ver. Ter olhos para ver, é mais ou menos por aí.