terça-feira, 1 de março de 2011

Engulhos e Preconceitos


Eu, tecendo comentários sobre a recente acusação de anti-semitismo contra o estilista John Galliano? Pode parecer um assunto totalmente diverso das outras coisas que costumo comentar aqui, mas não é. Explicarei por quê. Sempre vejo com olhares oblíquos tudo que diz respeito às atitudes e posicionamentos de quem levanta bandeiras de luta contra preconceitos. Não necessariamente por levantarem-nas, mas costumo prestar atenção no modo como conduzem essas bandeiras. Nem sempre as motivações das pessoas engajadas em uma mesma causa são as mesmas, ainda que estejam aparentemente lutando por um mesmo ideal ou objetivo. E além de nem sempre serem as mesmas, também podem não ser todas tão nobres quanto parecem. Usarei o caso de Galliano para ajudar a ilustrar esse raciocínio.

Nos últimos tempos, o estilista inglês citado acima, assumidamente homossexual, um expoente do mercado da moda, famosíssimo, persona publica, formador de opinião e outros etecéteras, parece ter caído em um inferno astral profissional. E ao que parece, por conta de comportamentos um tanto quanto incômodos até mesmo para um mercado acostumado aos faniquitos, pitis e siricoticos comuns aos “gênios criadores” que saltitam de Maison em Maison. Ele é acusado por um casal, de tê-los agredido com um comportamento extremamente agressivo em um ambiente público e de ter usado termos preconceituosos contra judeus. Foi registrado (em vídeo ao que parece) que o estilista afirmou entre outras pérolas do repertório do preconceito, “amar Hitler”, “lamentar que todos os judeus não tenham sido mortos nas câmaras de gás”. É nesse ponto que eu volto ao assunto do meu olhar oblíquo para com certas pessoas. Toda vez que se fala de alguma minoria que sofre preconceito, as mentes de alcance mais curto automaticamente colocam os oprimidos na posição de pobres coitados. E ao colocá-los nessa posição, levados por um sentimentalismo que cega a verdade, acabam por tirar o foco de um erro que foi cometido para com essas pessoas, para uma espécie de paternalismo assistencialista. Essa distorção muitas vezes tenta compensar esse erro julgando as vítimas incapazes de cometerem erros como se o simples fato de terem sido vítimas daquele fato os transformasse em seres puros e alheios a todo o mal.

Poder-se-ia esperar que uma pessoa como Galliano, que teoricamente sabe o que é ser vítima de preconceito, não seria um ser preconceituoso. Mas esse pensamento de curto alcance, como mencionei antes é algo que não contempla o fato de que a única forma aparentemente mais eficaz de lutar contra o preconceito seja levar-se em conta que não há coitados. Há seres humanos, criaturas multidimensionais e como tal, passíveis tanto de serem vítimas quanto de serem vilões. Parece existir no mundo atual uma mania dicotomizante, que faz com que as pessoas vivam pensando que só existe preto e branco, bem e mal, que é sempre tudo ou nada. Essa tendência é vendida com tanta força, que faz com que as pessoas, já afeitas a pensar pouco acabem se perdendo nessa filosofia do “on ou off”.

Ninguém parece querer pensar, parecem ter preguiça de considerar que um homossexual pode ser tão mau, tão vil e tão filho da puta quanto um heterossexual. Que um negro pode ser tão preconceituoso quanto um branco e que um funkeiro pode segregar tanto quanto um amante de música clássica. Ignoram que depois de 5 mil anos de dominação e opressão masculina, assim que as mulheres começaram a se libertar de seu jugo, imediatamente partiram para cometer exatamente os mesmos erros que os homens cometeram contra elas nesse período, erros esses dos quais elas reclamavam ferozmente. A busca por esse pensamento pronto, parece nos afastar cada vez mais de um modo Martin Luther King - humanista, contemplativo e consciente, e nos aproxima de um modo Malcolm X - reativo, explosivo, impensado.

Aí vemos com espanto quando um estilista gay (que deveria teoricamente, ter hor-ror a preconceito) desfia contra aquele casal, impropérios anti-semitas com a mesma ferocidade com que em outra situação, um militante skinhead poderia proferir impropérios contra a opção sexual deste mesmo estilista. No apagar das luzes, muitas vezes cheguei a pensar se que talvez mais importante que lutar contra o preconceito, seja lutar contra a incoerência. Porque em uma sociedade onde há coerência, a natureza incoerente do preconceito não permite sua subsistência.

Poesia a Fio


Sedoso fio do qual me utilizo
Para laçar palavras e letras
Que atiro com braço preciso
Camaleão a caçar borboletas

Fio que uso para costurar os tecidos
As tessituras que a vida me dá
Dos tempos futuros e dos tempos idos
E ajusto assim, para podê-las usar

Fio que tal qual prosaico barbante
Usado por mim para embrulhar os problemas
E de lado deixá-los, para em outro instante
Tornarem-se tijolos para novos poemas

Fio de prata, de ouro, ou cordame
Que pra tudo uso, para tudo avio
Fiação do vestido de uma madame
Ou amarras de cais para um grande navio

O fio da aranha que passeia em minha mente
A tecer emaranhados de promessa e oração
Procurando entrelaçar, poética mente
A teia feita, apurada, de realidade e ilusão.

Publicado no Recanto das Letras em 03/02/2010