quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Resoluções de Ano Novo


© Regis Rodriguez


Bom dia, muito obrigado pela atenção
Desculpe incomodar o silêncio da sua viagem
Trago aqui na promoção
Um pouquinho da minha verdade,
E um panorama da sua ilusão.

Aqui, só aqui na minha mão,
Tenho a mesma ambição que você
Aí fora custa muito mais,
Só vocês é que não podem ver.

Por isso essa minha cara de fome
Por isso essa minha falta de jeito
Mas eu sou sujeito homem,
Não querendo lhe faltar o respeito,

Vim dizer que eu quero mais
Muito mais do que eu tenho agora
Quero tudo que deixaram pra trás
Quero tudo que vocês jogam fora.

Quero tudo, sem pudor nenhum.
E se for pra sobrar, que me sobre algum.
Eu podia estar roubando,
eu podia estar matando, mas não.
Estou aqui, humildemente
Pedindo sua atenção.

O que eu quero não é nada demais,
Quero o carro que seu filho bate toda semana
E não me xingue, não me odeie mais:
Quero a grana que sua filha gasta com pó,
O “din-din” do whisky e da pílula, aliás
Que a senhora usa pra não se sentir tão só.

Quero aproveitar o que eu posso
Com as coisas boas que vocês tem
Porque mesmo isso não sendo nosso,
Vocês não sabem usar também...

Vou desperdiçar a minha educação
Enquanto me botam pra fora da lotação.
Mas não se incomode, um dia eu volto.
E não se espante se eu me revolto.
É que cansei da incompetência de vocês
De sentar na janela e não saber usar a vez.

Menos preguiça, menos, menos
Menos atropelo. Mais zelo, mais, mais.
Mais cuidado, concentração.
Mais sentimento, mais paixão.

Que caia do céu, não tenho vergonha
Direi para todos: sou aquele que sonha
Mais dinheiro? Mais, mais, mais mesmo.
Sabes que não vou gastar a esmo.

Mas agora eu vou partir
Agradeço pela atenção
Espero que o meu pedido
Encontre compreensão
E amanhã, numa virada de um outro ano
Eu já não esteja mais aqui,
Que eu já seja considerado um ser humano.
Com direito de cantar e sorrir.
Odemilson Louzada Junior

Originalmente publicado no Recanto das Letras em 01/01/2009

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Três é Demais? (Parte II)


Seguiu o plano, os dois acertaram os detalhes. Toda a logística seria providenciada por Ronaldo, cabendo a Mariana a palavra final sobre cada detalhe do processo. Ela não deixava de admitir que a hipótese de acontecer, todo o planejamento cuidadoso, toda a antecipação do evento a fazia sentir um pouco daquela ansiedade que Ronaldo demonstrara a princípio. Ele, por sua vez, já não demonstrava todo aquele comportamento que ela tanto estranhara a princípio. Com o acontecimento se desenhando no horizonte, ele tinha aos olhos dela voltado um pouco ao normal, o que ela não deixava de achar bom. Com Ronaldo capitaneando o processo, Mariana acompanhou a criação de perfis do casal em um site de encontros adultos, e opinava em tudo, às vezes sentindo um pouco daquela insegurança inicial, mas às vezes sentindo também um pouco dessa nova excitação pelo desconhecido. Passaram um período considerável de tempo nessa coisa de fazer perfil, escolher fotos, avaliar contatos e tudo mais. Mariana tinha que reconhecer uma coisa, seu marido tinha tomado cuidados para que o processo de busca por um parceiro fosse o mais tranquilo possível. Nessa etapa, ele não demonstrava pressa em escolher alguém nem aparentava estar afoito. Deixava que ela ditasse o ritmo, e volta e meia eles conversavam sobre as características de um eventual parceiro, o local mais adequado para levar a termo a fantasia, e outros detalhes.

Uns três meses depois de montarem o perfil, já tinham descartado um punhado de pretendentes virtuais que por uma razão ou outra pareceram inadequados. Lá pelo quarto mês, começaram a se corresponder por e-mail com um dos poucos candidatos da própria cidade deles que sobreviveu ao “pente fino” que fizeram. Alex era um cara tranquilo, não demonstrava aquele desespero ridículo de muitos que infestam os sites de procura por parceiros sexuais. Parecia entender todas as implicações do que buscava, e nas conversas iniciais que tiveram ele deu a entender que apesar de não muito experiente no assunto, já tinha tido oportunidade de praticar ménage e sexo grupal algumas vezes. Chegaram ao ponto em que tudo parecia ok, trocaram fotos e todos ficaram satisfeitos com o que viram. Mariana achou o rapaz atraente,Alex achou o mesmo dela, e Ronaldo achou que ele não tinha uma aparência que destoasse do casal. O momento se aproximava. Apesar de ainda se mostrar animada com tudo aquilo, bem mais que no princípio, Mariana ainda tinha (embora talvez naquele momento sequer percebesse) plantado lá no fundo de si aquela pequena semente intuitiva. Mas era cada vez mais fácil ignorá-la. Ronaldo e ela discutiram vários detalhes, e ela embarcou com sinceridade no tesão dele. Ao perceber o quanto ele ansiava por vê-la possuída por outro, por dividi-la com outro, os momentos em que falavam no assunto enquanto faziam sexo e se tornavam cada vez mais quentes e intensos. Mais uma vez, a segurança que Ronaldo lhe passava ao repetir sempre que era apenas uma fantasia como muitas que já tinham realizado, só que um pouco mais picante, fazia com que suas intuições ficassem cada vez mais ocultas nos bastidores de sua mente.



Enfim, o dia chegou, com toda a pompa e circunstância. Encontro cuidadosamente planejado, lugar escolhido, um motel que por precaução estava entre os que eles menos freqüentavam, e cujo acesso facilitava a entrada de uma pessoa a mais no carro sem que se criasse um problema. Nesse dia, pela manhã, Mariana sentiu uma pontada mais forte de sua velha intuição, mas não com força suficiente para que sentisse vontade de pisar no freio da situação. Lembrou-se de que era apenas uma fantasia, como costumava dizer seu marido. Além de tudo isso, Alex tinha demonstrado ser, durante todo o período da aproximação, uma pessoa legal. Tiveram oportunidade de confirmar isso uma semana antes, quando marcaram um chopp para conhecê-lo pessoalmente. Sentaram-se num bar conhecido da cidade e conversaram por horas, como bons amigos. Em alguns momentos o papo escorregou para coisas mais picantes, mas em momento algum Alex foi direto ao assunto dos planos que tinham. Preferiu contar histórias de suas experiências anteriores. Era discreto, não revelava nomes, mas soube narrar as histórias de um jeito que deixara Ronaldo e Mariana extremamente excitados com aquele universo que estavam a poucos dias de experimentar. Nessa noite, ao chegar em casa fizeram sexo num grau de intensidade que poucas vezes tinham alcançado em todos os anos em que estavam juntos.

Assim, no dia em que finalmente foram para o motel com Alex, por incrível que pareça, nada foi muito longe do esperado. Mariana conseguiu controlar um pequeno nervosismo inicial, Ronaldo se deliciou como esperava, e Alex cumpriu o papel que o casal esperava dele. Passaram horas, se divertiram, gozaram todos dos prazeres que tinham ansiado para aquela ocasião. O que de realmente notável pode ser dito desse dia, não foi o que aconteceu nele, mas o que aconteceu a partir dele. Passada a ocasião, Alex deixou-se disponível para repetirem sempre que quisessem a brincadeira. E demorou um pouco para que Mariana percebesse que algo havia mudado.



Algumas semanas depois, percebera uma quase imperceptível queda no tom de ânimo de Ronaldo. Coisa que só uma mulher percebe em entes queridos próximos. Não tocou no assunto de pronto. Deixou passar o tempo para ver se algo mudava. Mais algum tempo e algumas transas um pouco menos satisfatórias que o normal deles, Mariana percebeu que Ronaldo também tinha diminuído muito seu costume de falar em fantasias ou mesmo as safadezas de sempre durante o sexo. Começou a sentir-se mal cada vez mais, até o momento em que teve segurança o suficiente para tocar no assunto, sem que o marido pudesse escapar com o famoso “nada não”. Mariana arrependeu-se imediatamente de ter perguntado, pois ao invés da evasiva esperada, a reação de Ronaldo era estranha, diferente do que estava acostumada. Tinha dado uma desculpa esfarrapada, sem nenhum cuidado de parecer plausível, coisa que ele jamais tinha feito com ela. Imediatamente ela sentiu que havia algo de muito errado com ele. E não demorou muito tempo para que seus sentimentos se confirmassem com fatos. Aos poucos Ronaldo foi ficando mais e mais arredio, mais e mais acabrunhado, mais e mais estressado. O sexo diminuiu sensivelmente de quantidade, duração e qualidade.



Até o momento, em uma discussão rotineira em que os ânimos se elevaram, trocaram farpas que não tinham nada a ver com o assunto inicial. Mariana acabou mencionando a queda na qualidade sexual e Ronaldo explodiu de maneira irracional. Começou a dizer de forma descontrolada que Mariana gostava mais do sexo de Alex que do dele, que Mariana estava deixando de gostar dele, que ela tinha pensamentos com Alex o tempo todo. Mariana não podia acreditar no que ouvia, era um sentimento de mágoa profunda que brotava em seu coração. Sentia-se tão mal quanto, talvez pior do que se tivesse sido traída. Em questão de segundos milhares de pensamentos formaram um turbilhão em seu cérebro, sendo que conseguia distinguir apenas uns dois ou três, e ficou completamente fora de si. Lembra de pouca coisa do que disse, mas dentre elas, de ter mencionado repetidas vezes que a idéia foi dele, de Ronaldo. Que no início ela não queria. Que ele insistiu que era uma coisa que correria com tranqüilidade. À medida que os ânimos continuavam elevados e o teor de irracionalidade nos argumentos, resmungos e acusações de Ronaldo não diminuía, ela ia experimentando um sentimento que jamais tivera por seu marido, mesmo nas piores brigas que porventura tiveram naqueles 12 anos de convivência. Aquela semente de intuição que antes ela conseguira ignorar diante da excitação do novo, agora tinha crescido e se transformado em uma planta de desgosto. E a atitude de Ronaldo contribuía para nutrir as raízes dessa planta, e torná-la cada vez mais forte.


A mágoa de Mariana cresceu, um extremo desagrado pela atitude de Ronaldo fazia com que dali pra frente, o diálogo entre os dois fosse cada vez mais difícil. De um casal feliz, aos poucos foram passando a conviver num habitat cada vez mais inóspito. A atmosfera entre os dois era mais rarefeita que nunca. Pouco falavam que não fosse de assuntos do cotidiano, ambos conscientes de que qualquer tentativa de voltar ao fatídico tema poderia resultar em nova torrente de acusações impensadas, mal-estares e decepções. Ronaldo oscilava entre um arrependimento mal-humorado e um ressentimento anormal. Mariana entre uma mágoa crescente, misturada a um desapontamento triste, doído. Ambos se tornavam cada vez mais apáticos à medida que cada tentativa de retomar a conversa ou colocar o relacionamento nos eixos fracassava. O que no início eram brigas com agressivas trocas de acusações, aos poucos foram se tornando conversas cada vez mais evasivas, oblíquas e sem clareza de intenções. Passados alguns meses naquele clima péssimo, num momento calmo em que o desânimo mútuo era palpável, decidiram por separarem-se. Algum tempo depois, Mariana pensou em Alex. Lembrou em detalhes daquele dia em que fizera sexo com ele e com seu marido, mas com certa melancolia, percebeu que pouco lembrava do rosto de Alex. Já de Ronaldo, não fazia questão de lembrar. A planta do desgosto tinha crescido, dado frutos e ela esperava o momento em que a mesma planta morresse. Talvez assim, sem as sombras que ela lançava, o sol voltasse a lançar raios sobre seu coração.
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Esse texto não foi escrito para apoiar ou para ir contra a experiência à qual o casal retratado se propôs. Antes de mais nada, desejei traduzir nele a idéia de que mesmo as mais corriqueiras experiências de vida podem ter resultados completamente diferentes em função do quanto seus protagonistas estarão (ou não) preparados para vivenciá-las. Sigo acreditando que viver é complicado: exige arte, competência e capacidade de assimilar porradas. Não vejo com olhos românticos aqueles que caem no caminho, abatidos pelas porradas. É como disse sabiamente o personagem cinematográfico Rocky Balboa, (a vida) “...se trata do quão forte você apanha e  consegue seguir em frente”.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Três é Demais? (Parte I)

Esta é uma história real. Não aconteceu comigo, nem com alguém que eu conheça lá muito bem. Tampouco se trata de um daqueles famosos casos tipo “um amigo meu contou”. É uma história que acompanhei em parte à distância, em outra parte por relatos de pessoas bem mais próximas dos personagens que eu. E é uma história que já deve ter se repetido tantas vezes por aí, nesse nosso mundo, que mesmo ocultando os nomes para proteger a identidade das vítimas, as informações restantes são mais que suficientes para poder montar esse relato. E para que ainda assim, eu corra o risco de que seus protagonistas se reconheçam aqui.

Ronaldo e Mariana (nomes fictícios, porém bem próximos dos verdadeiros) formavam um casal feliz. Consideravam-se uma dupla bastante normal, modernos e bem-resolvidos. Juntos desde a época do ensino médio, morando numa cidade de médio porte e de bom nível de vida no interior do estado. O fato de seu relacionamento ter atravessado período de faculdade, por todas as fases entre noivado, casamento, montagem de casa, e vida a dois sem terem tido grandes brigas, ou idas e vindas, ou crises com separações mesmo que temporárias, tinha deixado em ambos uma confiança bem grande na solidez de sua relação. Se amavam de verdade. Se gostavam. Se respeitavam. Sentiam tesão um pelo outro.

O aspecto tesão, principalmente, era visto pelos dois praticamente como o símbolo-mor do sucesso daquele relacionamento. O relacionamento, contando namoro e casamento já chegava às portas dos 12 anos. E na cama, sempre tinham sabido evoluir bem, das primeiras experiências do início do namoro até o domínio de várias capacidades em dar prazer um ao outro. Dentro do quarto, sempre foram extremamente democráticos, sem-vergonha, desinibidos. E mesmo individualmente, reconheciam que tinham libidos e impulsos sexuais com forças equivalentes. Sentiam com sinceridade que formavam uma boa equipe.

Em algum momento nessa virada dos 12 anos de relação, Ronaldo começou a sentir um pequeno pulsar de insatisfação. Não algo incômodo, nem algo que o fizesse desgostar do sexo que fazia com Mariana, também nada que o fizesse mudar de idéia quanto ao que pensava a respeito da qualidade de sua vida sexual. Apenas um pulsar, um pequeno comichão de curiosidade, uma vontade de saber mais sobre formas mais radicais de sexualidade. Ele sempre tivera uma curiosidade sexual aguçada, até mais acentuada do que a esposa, embora essa curiosidade fosse de fôlego curto. Gostava muito de pornografia, masturbava-se regularmente, adorava ver sacanagem na internet. Mas seu envolvimento com isso era sempre algo raso, algo somente recreativo, ou para inspirar tesão e satisfazê-lo de maneira mais imediata. Só que ultimamente Ronaldo, movido pela curiosidade de sempre, acabava detendo-se mais no que brincava ser o “submundo da internet”, não só satisfazendo-se graficamente, mas também lendo, analisando, pensando em possibilidades. Por um tempo, uma idéia começou a tomar forma no fundo de sua mente, de maneira lenta e gradual, até aparecer com força e identificar-se como uma pequena obsessão que se iniciava. Ronaldo começou a alimentar a fantasia de fazer sexo a três. A coisa tomou forma, floresceu em sua mente, e quando deu por si, havia todo um cenário pensado, onde a idéia de dividir sua mulher (seu amor, sua gostosa, sua safada, sua putinha) com outro homem o deixava cada vez mais excitado.



Mariana era uma mulher simples. Não simplória, nem burra, nem de mente pequena, limitada, nada disso. Simples. Era uma ótima pessoa. Seus impulsos, seus movimentos pela vida, seu jeito de ser como um todo, era baseado na simplicidade.Tivera uma educação sexual inexistente dentro de casa, bastante interiorana. Família católica, muito diálogo sobre a vida, mas muita vergonha , e diálogo pouco ou nenhum sobre sexo. Tudo que sabia na época em que começou a namorar com Ronaldo, aprendera com amigas, na escola, nas conversas com colegas mais saidinhas, enfim...era àquela altura o tipo de menina que morria de vergonha até de pensar em se masturbar. Com a vinda do namoro, com a convivência com Ronaldo, com a confiança construída com o tempo, considerava que aprendeu bastante. Descobriu-se mulher. A cumplicidade de Ronaldo, as informações que a curiosidade natural dele pelo sexo lhe traziam, e a vida a dois do casal fizeram com que o orgasmo, a masturbação, as pequenas fantasias, as brincadeiras eróticas, passassem a fazer parte de sua vida. Davam-lhe prazer não só pelo sexo, mas por sentir-se possuidora de um poder, de algo que sabia ter sempre existido dentro de si, mas que sua sexualmente repressora educação não tinha permitido que desenvolvesse antes. Simples como era, Mariana atirou-se aos seus impulsos sexuais com prazer e alegria. Encontrou-se com toda sua simplicidade, como uma mulher que gostava muito de sexo, simples assim. E compartilhava seus desejos com Ronaldo, divertia-se, tirava deles muito prazer, e era feliz com isso.

Até o momento em que Ronaldo veio com a proposta. No início, começou como sempre que tinham uma idéia nova, uma nova fantasia, uma nova travessura sexual. No meio de um ato sexual, na hora em que ambos gostavam de trocar palavras loucas, um e outro xingamento, uma ou outra fantasia solta, Ronaldo mencionou a idéia de transarem a três com um segundo homem. Mariana assustou-se um pouco mas entrou na brincadeira, achou que Ronaldo falava só como componente de excitação da transa. Mas a cada vez em que transavam, ele tornava a entrar no assunto, e ela parou pra pensar. Sentia-se um pouco insegura, não pela fantasia em si. Nem pela ideia ser algo tão exótico. O que a preocupava mais era uma certa insegurança, uma certa intuição de que talvez fosse uma má idéia. Considerava-se uma mulher segura, já não era mais uma adolescente inexperiente, mas como considerava seu relacionamento sexual tão mais saudável que o de tantas mulheres com quem tivera oportunidade de conversar, nunca tinha considerado a hipótese de incluir uma terceira pessoa (fosse homem ou mulher) em suas fantasias sexuais. Então, quando sentiu-se à vontade para tocar no assunto com Ronaldo fora da cama, procurou manter a cabeça aberta ao máximo, mas não podia evitar de sentir uma incômoda insegurança, e mais profundamente ainda, a sensação de que aquilo não era algo que fosse acabar bem.



Mariana estranhou um pouco o jeito de seu marido. Obviamente já tinha visto muitas vezes Ronaldo animado, querendo muito alguma coisa, mas não daquele jeito. Ela associou seu jeito ao de um vendedor desesperado para concluir uma venda. A ansiedade com que ele tentava convencê-la de que seria legal, de que seria um passo à frente em seus currículos sexuais, de como era algo que tanta gente fazia e que não tinha nada a ver, bastava fazer e acabou, e milhares de outros argumentos. Mariana já tinha sentido um pouco de lentidão para digerir a ideia em si, mas com aquela mudança de comportamento de Ronaldo a coisa se tornou ainda mais difícil. Sendo assim, ela pediu que ele desse um tempo, que ia pensar no assunto. À medida que o tempo passava, Mariana pesava prós e contras, analisava a questão, mas sempre com Ronaldo por perto, não exigindo uma resposta, mas tocando de leve no assunto, deixando no ar informações a respeito, ou dando sinais de que estava tudo bem. Não chegava a insistir na resposta, mas também demonstrava que esperava muito por ela. Quando ela finalmente chegou a uma decisão, pesou bastante ter achado que Ronaldo tinha sido cuidadoso em deixar por conta dela a palavra final na escolha do parceiro, e ainda com a promessa de que ela poderia parar o processo a qualquer momento se sentisse que não estava 100% certa de que era pra acontecer. Só que ainda assim, mesmo com todas as garantias e promessas que Ronaldo tinha feito, mesmo com a diminuição da insegurança que sentiu a princípio, em seu íntimo Mariana ainda tinha uma intuição muito discreta de que algo poderia não dar certo. Um último pensamento que passou por sua cabeça, e que fez com que se convencesse afinal, foi o medo que nasceu ao assistir a ansiedade de Ronaldo. A segurança que sentia durante todos esses anos de relação com ele, começou a balançar um pouco, pois imaginava que se dissesse não, por mais que ele dissesse que não queria obrigá-la a nada, fizesse com que ele começasse a desanimar do sexo com ela. E que isso escalaria até chegar a um futuro de insatisfação mútua, que era um cenário que ela não desejava de maneira alguma. Achou, afinal que valia a pena fazer aquela loucura para manter seu casamento em seu devido lugar.

(Continua)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O homem que não gosta de mulher


© sxc.hu

             O título pode ser enganador, eu sei. Mas depois de tudo posto às claras, tenho certeza que ficará mais fácil de entender o porquê da coisa. A questão é que existe por aí muito homem que não gosta de mulher. E não, meus amigos... não estou falando dos homossexuais. Com o direito que me compete de fazer o “trocaralho do cadilho”, nesse caso o buraco é mais embaixo. Ou mais em cima, talvez. É um buraco do tipo que psicólogos e sociólogos teriam mais familiaridade para explicar do que eu. Mas como estou aqui para descrever a fauna dos homens que não gostam de mulher, e não dos buracos psicossociais que os implicam, vamos ao trabalho.

             O homem que não gosta de mulher é uma espécie comum, está bem integrada à nossa fauna, tem se reproduzido em ritmo muito rápido, e à primeira vista tem muito pouca diferença do homem que gosta. Quase nenhuma, pra falar a verdade. Há mulheres que casam-se com eles e só vão se dar conta disso lá pelo oitavo, décimo ano de casamento. A descoberta é algo que contribui muito para as tão frequentes separações. É comum essa ficha cair na hora em que ela está mandando o cara pastar, em definitivo. Amiúde, esse tipo de homem ter sido criado por uma mãe sozinha, ou quando tivesse pai, por uma mãe que mandasse em todos, no pai inclusive. Mas não se enganem. Ele também pode ter sido criado por uma mãe submissa e anulada, ao lado de um paizão grosso, agressivo e boçal. Há diversos ambientes que geram um homem que não gosta de mulher, e cada um desses personagens citados pode contribuir bastante para a formação do nosso objeto de estudo.

             Temos aquela mãe que cria o garoto sozinha, por exemplo. Vinda de um casamento fracassado e de uma separação dolorosa quando ele era ainda muito pequeno, ela depositou no seu menininho toda a responsabilidade de ser o “cem por cento” da felicidade dela nesse planeta, e o trata dessa forma, como um presente que caiu do céu e que está acima de tudo que existe nesse mundo. Um ser divinal, uma criança dourada, perfeita e fonte de todo o prazer e alegria que uma mãe possa querer. Não é difícil de imaginar que uma criança amamentada por esse tipo de conceito realmente vá crescer se achando um presente perfeito, não só para a mamãe dele, mas por extensão automática, para todas as mulheres desse planeta. Temos aí se formando um homem que não gosta de mulher. Ele gostará que mulheres o bajulem, troquem suas fraldas, aceitem tudo que ele faça como se fosse lindo, que jamais fiquem bravas com ele porque ele afinal, é perfeito ora essa! E isso vale pra toda a vida adulta do bebê. Não é lindo?

             Mas o pai boçal também sabe produzir seus monstrinhos. A grosseria, a exagerada atenção à superficialidade, o amor único ao dinheiro, ao status, ao material e o machismo são ótimos alimentos para crianças que um dia serão homens que não gostam de mulher. Nesses casos, o menino cresce se espelhando naquele cara que trata garçons, empregadas, serventes e subalternos mal. Aquele cara que por mais rico que seja, fala alto e gosta de usar palavrões, dizendo-os com a boca cheia. É aquele que mesmo quando pertencente às classes mais abastadas, não abandona o sotaque carregado. O pai que olha a mulher gostosa na rua e não vê a mulher. Olha através dela. Fala “gostosa” para um conjunto de conceitos, e diz as palavras no automático. Uma figura humana rasa, mas que justamente por sua flagrante não-profundidade, consegue reservar espaços preciosos para se tornar muitas vezes um cara bem-sucedido. É muitas vezes malandro, escroque, desleal, predatório. Tem pelo sexo a gana que o viciado tem por certas drogas, que mal passam pela corrente sanguínea, já deixam a fissura no seu rastro. Sexo pra esse tipo de homem, e para os filhos que crescem idolatrando-os, é a suprema masturbação, tanto que não gostam de mulheres, apenas as usam como substitutos enfeitados das mãos para masturbarem-se. Os meninos criados para ser homens que não gostam de mulher muitas vezes são vorazes. Primam pela quantidade, e também pelo seu distorcido senso de qualidade, mas a quantidade vence. E o que é mais engraçado, é que eles muitas vezes pensam que gostam de mulher. Foram ensinados a demonstrar, a fazer o jogo, a aparentar. Em seu código de valores, dificilmente entra o interesse humano. Aquela curiosidade saudável pelo que é da natureza de outra espécie? Eles não ligam. Sabe aquela capacidade dos grandes craques do futebol, que parecem tratar a bola bem, que parecem bailar com a bola, justamente por respeitar seu formato redondo? Esqueça. O homem que não gosta de mulher não sabe fazer isso. Simbolicamente, no que diz respeito a saber como lidar com a pelota, ele seria a epítome do perna-de-pau do mundo do futebol.
           
             Não é de se admirar que esses meninos cresçam e desenvolvam-se bem. Criados nesse ambiente de tanta atenção, recebendo doses cavalares de amor, e tendo cada mínimo desejo atendido, viram rapagões vistosos. Chegam à adolescência conscientes de seu lugar num mundo onde as aparências reinam supremas. Um mundo ágil, visual e esquizofrênico, onde os conceitos vendidos pela mídia são a verdade mais absoluta, e até mesmo a postura contestadora é milimetricamente padronizada. Um mundo onde você já sabe as bandas que vai escutar, as drogas que vai usar e as cores que irá vestir. Onde o seu corte de cabelo dependerá da turma com quem você anda. E todas as meninas tiram exatamente as mesmas foto na frente do espelho. Nesse mundo onde o padrão é a lei, não se gosta mais de mulher. Gosta-se de simulacros de mulher. Admira-se proporções de peito, coxa e bunda. Toda mulher, é loira. Até a morena é loira. A negra é loira e a japonesa, também é loira!

             Os fashionistas tomaram o poder. O mundo da moda é o Quarto Reich, e os nazistas de passarela não gostam de mulher. Um dia, eles decidiram mandar todas as mulheres de verdade para os campos de concentração. Aqui do lado de fora, ficaram apenas cabides desenvolvidos geneticamente para andar, falar, usar roupas e convencer o resto do mundo de que são a única forma de mulher aceitável no planeta. Enquanto isso, as mulheres de verdade, vivendo em seus Auschwitzes e Treblinkas particulares, submetem-se às mais incríveis sessões de tortura, para ficarem parecidas com os cabides e poderem ser consideradas mulheres de novo. Permitem que médicos pouco qualificados façam com elas coisas que um dia (espero) serão consideradas tão bizarras quanto as câmaras de gás nazistas. Preenchimentos labiais que fazem a mulher parecer um baiacu, remoção de costelas para afinamento de cintura, anorexia, bulimia, inserir um tubo de plástico para sugar de forma aleatória e irregular nacos de gordura das próprias cinturas... Um verdadeiro show de horrores para fazer toda uma população que um dia foi vista simplesmente como mulher, se encaixar em um padrão. E na aurora desses novos tempos, os cabides estão ficando cada vez mais magros, as alterações mais radicais. E o número de homens que não gosta de mulher, mas sim de imagens, de estátuas, de objetos inanimados que não pensam nem interagem, aumenta também. Enquanto isso, os poucos que gostam do que um dia foi chamado de mulher de verdade passam por maus bocados. Sentem-se vazios ao olhar para os cabides de um lado, e assustados ao assistir o crescimento da população dos seus congêneres que não gostam de mulher. Só lhes (nos) resta aproveitar seus (nossos) últimos e bons momentos ao lado das suas amigas, namoradas, parceiras, esposas e seres queridos do intrigante sexo feminino, antes que elas se vão, para nunca mais voltar.