quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O Velho



Sempre tirei um bom proveito das redes sociais em das quais participei. Acesso a informações, diversão, conhecimento... Todos os regalos que agradam um espírito faminto de informações, curiosidades e trilhas para seguir como o meu. Apesar de sua gênese se dar no meio virtual, de seu ambiente ser o recente (historicamente falando) mundo da informática, as redes sociais não são diferentes de outras interações humanas. Por trás de todas as placas, teclados, monitores, conexões, discos rígidos, web sites e servidores, ainda somos nós lá. Interagindo mal e porcamente, como fazemos desde que descemos das árvores, com poucos momentos de melhora no desempenho de nossas interações. Seria ilusão nossa acreditar que não existiam trolls, que naquela época deviam ser conhecidos por espíritos de porco (ou algo que o valha) nas assembléias da Grécia clássica. Quiçá desde o tempo das cavernas. Sabendo disso, poucas vezes me indispus ou se indispuseram comigo nesses anos de convívio virtual nas redes.

Hoje, mesmo depois de tanto tempo, me surpreendi um pouco. Infelizmente, para mal. Tinha adicionado em uma dessas redes um senhor gaúcho, escritor com exímio domínio da língua portuguesa, por quem eu tinha bastante admiração. Não o conhecia profundamente, mas procurava ler sempre que podia seus escritos e deles absorver o máximo de informação. Em nossa etérea convivência virtual, percebi algumas vezes certa rabugice com relação a certos assuntos, mas nada que comprometesse a fundo minha admiração por suas qualidades, que já descrevi. Eis que em uma de nossas trocas de mensagens, percebi em seu discurso certo ranço, certa insistência fazer uma demonização extrema da influência americana nos eventos que levaram ao golpe militar de 1964. Apesar de ter lido sobre e conhecer alguns detalhes sobre essa influência, e sobre a política americana para a América Latina naquele período, na época da citada conversa dei pouca atenção a isto, pois foi uma nuance de opinião que apareceu de forma lateral na discussão de outro assunto. Mas ficou registrada essa insistência teimosa, coisa que não combinava muito bem com uma pessoa de quem se depreendia uma inteligência mais ponderada, menos extremista ou não tão dada a simplismos maniqueístas.

Em uma troca de comentários, dei uma opinião sobre o que chamei simbolicamente de “DNA do Brasil”. Afirmei simbolicamente que o brasileiro, (enquanto resultado de uma soma, e não como indivíduo) possuía características que eram muito presentes e perenes, desde o período da colônia, durante o império, república, ditadura militar, e até hoje, que pouco mudaram. Afirmei que pouco foi feito ou estimulado por quem quer que estivesse no poder durante nesses quinhentos e tantos anos para que essas características quando boas, sobressaíssem e quando ruins, fossem trabalhadas no intuito de melhorar. O velho senhor (que aparentemente se esforçava para destruir a boa imagem que tinha aos meus olhos), procurou encurralar-me em meus argumentos, afirmando que minha falta de estudo histórico (decidida por ele como líquida e certa através do simples fato de eu não concordar com seus argumentos) impedia que eu continuasse uma conversa, que eu deveria estudar mais a história de nosso país. Montado em um desespero eqüino para tentar derrubar meus argumentos, que apresentei com a máxima serenidade, tornou-se monocórdio em suas afirmações. Arvorou-se em uma empáfia desmesurada e vazia baseada na repetição “do quanto ele estudou na vida”, e chegou ao ponto ridículo de acusar-me de racismo contra os negros. Isso por eu mencionar a valorização que o brasileiro dá àquela famosa e macunaímica dose de malemolência, preguiça e “malandragem inocente” como algo que sempre foi valioso para os poderosos no sentido de manter o povo dócil, avesso ao progresso pessoal e à consciência de mobilização. Vi naquele senhor brados por um patriotismo realmente senil, que destoava de seus textos tão lúcidos. Li em seus comentários (cada vez mais absurdos) sugestões de que o ufanismo cego é a saída, de que a mais profunda negação de valores universais é a solução e de que aparentemente, só abraçando como se fossem qualidades todos os nossos mais vergonhosos defeitos, estaríamos no caminho certo. Desisti.

Procurei defender-me com retidão da injusta acusação de racismo, tratei de pilhá-lo por ter tentado comigo um artifício de argumentação tão basal, e procurei uma oportunidade para dar a discussão por encerrada. Antes disso, meu antes prezado interlocutor ainda teve tempo de dirigir-me algumas linhas malcriadas e recomendar-me que fosse estudar mais e passasse bem. Fui obrigado a finalizar minha participação nessa infrutífera discussão confessando que se fosse para chegar ao fim de minha vida um velho rabugento, monocórdio, de mente empedernida e com idéias tão bolorentas e pouco imaginativas quanto aquelas que ele tinha me apresentado ali, preferia estudar outras coisas. No fim, achei o saldo positivo. Pude exercitar meus argumentos em uma discussão até certo ponto de bom nível. Pude sentir-me mais seguro de que a temperança é um caminho bem melhor que o extremismo. Pude reafirmar minha desconfiança de que o avançar dos anos não traz a mesma carga de sabedoria a todos nós. E pude arrumar assunto para escrever mais um texto, exercitar e procurar chegar um dia em que escreva tão bem quanto o velho lá, só que com a mente mais aberta. Lembrei que sempre gostei muito de todos os velhos com que convivi. Mas também lembrei que sempre demonstrei uma enorme insatisfação com velhos mal-educados. Espero apenas que quando eu chegar lá, a dupla Seu Alzheimer e Dona Esclerose mantenha-se longe dos meus queridos neurônios, pois estando lúcido, ao menos um velho educado eu garanto que serei.