segunda-feira, 9 de junho de 2014

Sobre essa Copa aí...

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© epochtimes.com.br

Greves, agitações, polêmicas, reclamações. O Brasil calçou as chuteiras, mas ainda não ficou bem claro se é para torcer pela Seleção, ou se para uma aguerrida troca de caneladas simbólicas. Ou quem sabe, diante das circunstâncias, caneladas reais mesmo, nada simbólicas. Alguns torcem para que o circo pegue fogo, alguns querem que a Copa se dane, se exploda, que a Copa se foda! Já outros procuram assumir um certo bom-mocismo verde-e-amarelo, impressionados em ver que o patriotismo esportivo que os unia até tão pouco tempo atrás já não satisfaz a toda a população de maneira tão unânime. Esses que optam pelo bom-mocismo, talvez saudosos de tempos mais simples e inocentes, quando se sentia o orgulho nacional ao torcer para a Seleção na copa, criticam duramente os que não conseguem mais assumir esse papel.

A questão é que seja a Copa do Mundo de 2014 um fiasco ou não, qualquer brasileiro  minimamente sensato percebe que muitos problemas não resolvidos (ou sequer abordados) pela chegada dos grandes eventos internacionais irão permanecer. A população continuará sem ser alfabetizada decentemente e sem receber uma educação com o nível mínimo necessário para as necessidades que o futuro do país exigem. O brasileiro minimamente sensato percebe também que a saúde pública do país seguirá no CTI. Percebe que o transporte público continuará dominado por máfias, amarrado por lobbies e imobilizado por seríssimos problemas de infraestrutura. De maneira exageradamente tardia, algum indício de mudança começa a despertar na mente coletiva brasileira. Não a mudança ideal, não o "despertar do gigante" que alguns acharam ter ocorrido durante as manifestações de junho de 2013.

A mudança que percebo ocorrer é algo mais espasmódico. Algo que lembra mais ânsias de vômito do que o despertar de um sono. O brasileiro está enojado. O Brasil começa a, talvez pela primeira vez em  sua trajetória, a ter coragem de fazer uma autoanálise e de ser capaz de olhar não só seu lado bom, mas também seus defeitos e o quanto esses defeitos contribuíram para que as coisas chegassem até onde chegaram. Talvez pela primeira vez, o brasileiro tenha conseguido um início de tomada de consciência de que boa parte da (ou talvez quase toda? Ou talvez toda?) "culpa", por "toda essa merda que está aí" é do próprio brasileiro? Talvez. Ainda não se sabe o quão profunda é a capacidade de se autocriticar de nossa sociedade, ou as consequências dela, mas fica claro que o brasileiro quer mais de seu país. E que os governantes, que em última análise são apenas outros brasileiros, não sabem muito bem o que fazer com essa informação. Ou talvez saibam, mas não queiram. Fazer qualquer coisa de positivo com essa energia nova que está circulando solta pela atmosfera desde junho de 2013 implica em parar todos os planos de locupletação, trocas de favores e manutenção de vantagens. Significa deixar de fazer o que nosso sistema político foi criado já fazendo. É algo um tanto difícil de implementar.

Nesse clima, não seria sábio tentar-se empurrar goela abaixo do mundo que o país é capaz de realizar grandes eventos só pelo orgulho nacional. Seria inocente pensar assim. Sempre que um evento de nível internacional acontece, são imensas negociatas para se tirar vantagem. São inúmeras oportunidades de investimento esperando acordos bilionários para acontecerem. Um político esperto consegue capitalizar muito em cima de um evento como esse. Mesmo que o evento não seja exatamente o que o país mais precise naquele momento. Ainda mais quando é um evento que mexe com a vaidade esportiva de um povo. E quando essa vaidade esportiva consegue ser manipulada de maneira hábil por um político ardiloso, a aceitação de uma Copa do Mundo é algo que se torna bem mais fácil pela opinião pública.

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©Gustavo Duarte

Mas o que muitos amantes do esporte estão deixando de ver é que o fato de que pela primeira vez em sua história, o brasileiro está em processo de despertar um pingo de consciência (que seja) para outras coisas que não são novela e futebol. A grande maioria dos textos e manifestos nas últimas semanas criticando quem critica a Copa (vejam só) vem da parte de pessoas que vivem do futebol, trabalham com futebol, estão profundamente envolvidas no universo do futebol. É óbvio que é interesse dessas pessoas que o brasileiro não perca o interesse pelo futebol. Que o brasileiro não torça contra, que o brasileiro não dê as costas para a festa. Não é nada bonito, nem rentável, nem agradável pra quem é do show business ter a casa vazia ou vaias na plateia. Infelizmente, o que essas pessoas ligadas ao "show business do futebol" não tem conseguido perceber, é que vivemos num dos países mais hipócritas do mundo. E que numa das poucas oportunidades em que a sociedade demonstra uma insatisfação com essa hipocrisia, se tenta taxar de "chato" quem "está torcendo contra". Infelizmente, essas pessoas não percebem que por décadas e décadas de tempo perdido discutindo, amando e sendo obsessivos com o futebol como se fosse a coisa mais importante do mundo, o Brasil perdeu não o bonde da História, mas vários bondes, de várias histórias. Perdeu-se até um trem. Para ser mais exato, um trem-bala.

Se o brasileiro demonstrasse amor por seu país e cobrasse de seus governantes com a mesma determinação que demonstra por seu time ou seleção, e cobra seus jogadores e técnicos, viveríamos no melhor dos países, com os melhores serviços públicos e teríamos uma população em estado quase pleno de felicidade. Teríamos um país onde não se rouba, onde não se comete tanta violência, onde não se passa fome.  Mas não é o que acontece. Por causa da hipocrisia brasileira, se você prefere criticar o governo a bater palma para palhaçadas, você é chato. Se você não sente "orgulho" em se vestir de verde e amarelo na Copa (só na época da Copa) e torcer pro seu país, você é chato. Se você prefere que em vez de uma Copa, tivéssemos políticos decentes fazendo obras e promovendo mudanças reais e não marketing partidário e planos de manutenção de poder por meio de negociatas e vendas de cargos, você é chato. Ok, posso até ser chato, mas hipócrita eu não sou.