terça-feira, 17 de maio de 2011

Loucuras de Amor


Fruto do mundo onírico das artes, da fantasia e do cancioneiro popular, o trecho final da música “Metade” de Oswaldo Montenegro é repetido e reproduzido como um mantra, (em sua grande maioria por mulheres) em perfis de redes sociais e montagens de powerpoints açucarados internet afora. Os versos dizem:

“E que a minha loucura seja perdoada / Porque metade de mim é amor / E a outra metade também.”

Então, voltamos ao mundo real. Nesse nosso cotidiano de violência, os crimes passionais estão se tornando cada vez mais corriqueiros. Talvez venha o tempo em que sequer venderão jornais. Lembrei disso tudo quando pensei nesse crime, o caso Verônica Verone Paiva, em que a moça de 18 anos mata o namorado no motel. Uma coisa puxa outra, e vem à lembrança vários outros crimes recentes, motivados por reações emocionais intensas, desprovidas da menor razão. Qualquer um pode vir argumentar que crime passional sempre existiu, sempre existirá, seja ele perpetrado por homens ou mulheres.

Só que não é esse aspecto da questão criminal que me interessa tratar. Há milhares e milhares de estudos a respeito da forma como a cabeça dos criminosos dá à luz seus resultados infames. No momento atual, e nesse caso em específico, o que me chama a atenção é outro tipo de olhar. Meu interesse sempre perambula pelos arredores desses casos de crimes passionais que aparecem com tanta frequência. Geralmente me interesso em olhar para o que na perifeira do crime, possa oferecer pistas para o que formou a pessoa do assassino (ou assassina). Casos como o da família Richtofen por exemplo, sempre aguçaram esse lado da minha curiosidade e suscitaram perguntas. O que faz uma moça bem-criada, de classe alta, de aparente excelente educação, chegar tão longe na escala criminal? O que deve acontecer durante a vida de um jovem para que as amarras de seus demônios internos se soltem de maneira tão definitiva? Foi esse tipo de questionamento que me veio à mente quando me deparei com o recente crime em Niterói.

Em nossa nova realidade, de novas mídias, de redes sociais e inclusão digital, a expressão do indivíduo é mais clara do que se possa pensar. E a sua responsabilidade, mais fácil de perceber aos olhos dos outros do que se possa imaginar. Essa moça, aos seus 18 anos é uma pessoa nascida nesse novo mundo pós internet. Fruto de um contexto social um tanto distorcido. É bem provável que venha de uma geração de meninas, sejam pobres ou ricas, criadas sendo chamadas de princesas num mundo onde essas não existem. Pelo menos não da forma como a Disney as vende. Muito cedo, é ensinado a essas meninas que suas vontades de consumo devem ser atendidas. Muito cedo, elas aprende que nesse mundo de falsas princesas, de corações, de pseudoencanto e magia fake, o que manda é o coração. São instruídas nesse caminho, de forma irremediavelmente unilateral, por mães zelosamente emocionais e pais desprovidos de qualquer racionalismo ou refinamento crítico. São cercadas de futilidades que mudam apenas de preço, de acordo com a classe social a que suas famílias façam parte.

Ao chegarem à adolescência, com os hormônios em polvorosa e o balanço entre o racional e o emocional já completamente destruído desde a infância, se tornam seres muitas vezes fúteis e invariavelmente consumistas. Professam como religião um mito de amor idealizado e estranho, onde o coração é o símbolo máximo. Algumas carregam essa marca pela vida inteira. Procuram desesperadamente corresponder a padrões de beleza e sensualidade, e as que não trilham os caminhos de uma futilidade fashion mais fundamentalista, acabam por se dedicar de corpo e alma ao culto do coração cor de rosa. Dedicam suas vidas à cata de um amor idealizado, enquanto no caldeirão real que ferve por dentro, outras emoções mais fortes e descontroladas borbulham. Ciúmes, incapacidade de aceitação de perdas, constante desequilíbrio de autoestima, emoções exacerbadas, valores distorcidos. Tudo isso sendo cozinhado há tempos numa panela de pressão que respondendo a algum estímulo externo pode explodir.

Enquanto isso, temos toda uma sociedade construída em torno de conceitos que dizem que “tudo vale a pena por amor”, que “loucuras de amor são lindas”, que “o amor perdoa tudo”, que “tapa de amor não dói”. Temos uma sociedade extremamente hipócrita, onde aceitamos ser agentes de infidelidades, mas jamais as vítimas delas. Onde ainda acreditamos que amar é sofrer. Vivemos em uma sociedade onde as mulheres são estimuladas a serem competitivas e invejosas entre si, a compararem-se à exaustão umas com as outras e a evitarem ao máximo assumir seus erros, sempre tendo uma razão emocional para justificá-los. Nessa nossa realidade, onde as loucuras de amor são tão prezadas e vistas com naturalidade, o que causa estranhamento não são os crimes, mas ainda existirem uns poucos que como eu, se surpreendem quando eles acontecem.

Sim, homens e mulheres cometem crimes passionais. Mas hoje escolhi falar do crime da moça de Niterói. O crime cometido por uma mulher. E quanto à música do Oswaldo, não perdôo sua loucura, senhorita. Pra loucos não se deve bater palmas. Nem mesmo para “loucos de amor”.