terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Super-heróis, princesas e de onde vem os monstros


Nesses últimos dias, devido a uma conjunção de acontecimentos, eventos familiares, leituras diversas e observações da vida, peguei me pensando nas fantasias infantis. É isso mesmo. Fantasias infantis. Reparei o quanto elas estão corriqueiras hoje em dia, muito mais, infinitamente mais que quando eu era criança, por exemplo. Só que essa mistura louca de coisas que aconteceram nessa semana que passou me fizeram reparar a questão das fantasias por um ângulo diferente, acabei encontrando uma esquina no pensamento para poder interpretar o assunto, e vim parar aqui, nesse texto.

Comecei a pensar em como se tornou comum "vestir" as crianças de super-herói (mais comumente os meninos) e de princesa (mais comumente as meninas). A aparente popularização das fantasias deixou de ser um recurso carnavalesco e muito mais improvisado, como era nos já longínquos inícios de anos 80 da minha infância. Hoje é muito frequente ver os pirralhos usando suas roupinhas de herói e princesa como roupas do dia-a-dia. Muitos podem lembrar do filme "A Creche do Papai" do Eddie Murphy, onde tinha um moleque que passa o filme inteiro com a roupa do herói Flash, e acha que é o próprio. Apesar de ultimamente eu não ter visto um moleque achando que é o próprio herói representado pela fantasia que está usando, o número de fantasiadinhos é indubitavelmente maior hoje do que era na época que eu tinha a idade deles.

Tentei lembrar como era a minha relação com as fantasias de herói naqueles tempos. O que me veio à memória foi algo bem interessante, do ponto de vista simbólico. Devido à conjunção da menor disponibilidade desse tipo de roupa/brinquedo no mercado com o fato de minha família ser dura mesmo, a possibilidade de "se vestir de herói" era muito mais remota para a criançada de então do que é para as de hoje. Lembro de ver, com certa raridade nas propagandas dos gibis da época um tipo de fantasia que não passava de uma roupinha de malha estampada com as cores e os motivos de um ou outro herói, e isso já me parecia algo fantástico, quase inalcançável. Era caro, era difícil de comprar, era supérfluo. Ou seja, se quisesse brincar de ser herói, tinha que usar a imaginação. Sem perceber, eu e provavelmente muitas outras crianças dessa época, estávamos montando nossas personalidades com um componente especial, que era: "você não é um herói, você precisa se esforçar muito pra ser um herói, ser um herói é algo que tem que ser perseguido, deve-se querer muito ser um herói para que assim seja". E para sermos heróis, a gente usava a imaginação. As asas dela nos transportavam para o mundo das abstrações que embora inocentes, iam trazer noções de o que é ser herói, o que um herói faz, e todo um mundo de aspirações de coisas elevadas e grandiosas que os heróis faziam (ou só encher os monstros de porrada e pronto). Mas pensando aqui, quem garante que encher monstros de porrada não fazia parte do "treinamento" para as dificuldades que enfrentaríamos na vida adulta? Pois é.

E hoje, vejo uma mudança na dinâmica das fantasias infantis. O que antes era algo que as crianças brincavam de ser, aspiravam ser, fingiam ser, hoje é reforçado na cabeça deles que eles são. Todo garoto é tratado pelos pais como se fosse um super herói que já veio herói do óvulo. Toda menina é uma princesa que já veio linda, rica, poderosa e com direito a súditos. A roupa da princesa, o uniforme do herói não é mais algo a que se aspira, alguma conquista, como um esperadíssimo brinquedo a ser ganho no dia das crianças ou no Natal. É algo corriqueiro, é algo do dia-a-dia, é uma roupa comum. Todo menino é um herói, toda menina é uma princesa. E sempre que eu me pego pensando em como a cabecinha dessas crianças está absorvendo esse tipo de informação, não consigo deixar de me preocupar um pouco. Como será um homem adulto que cresceu sendo tratado desde muito pequeno como um ser superior? Como um presente dos céus? Como será para uma mulher que desde a mais tenra infância é chamada por um título de nobreza, descobrir que é apenas mais uma num mundo de tantas pessoas, que não terá súditos para lhe servirem pra sempre. Como é para os adultos resultantes se livrar das fantasias de heróis e princesas depois que eles crescem demais para caberem nelas? Que tipo de reflexo psicológico fica quando os príncipes e princesas crescem e descobrem que o mundo não é o conto de fadas que pais culpados tentaram armar para eles? É sempre nessa hora que eu desconfio ter descoberto a origem dos monstros...