A alma do Rio de Janeiro mora,
essencialmente no seu centro. Esqueçam a Zona Sul, deixem a Zona Norte pra lá.
Assim como as pessoas, as cidades muitas vezes evoluem, crescem, mudam de
categoria, enriquecem. Mas se quisermos entender seu jeito de ser, compreender
muitos dos comos e porquês, e reconhecer as origens de suas idiossincrasias, é
necessário olhar suas origens. Saber de onde vieram, e como foram criadas.
Assim com as pessoas, assim com o Rio de Janeiro. Eu conheci o Rio de Janeiro
entrando por sua porta dos fundos. Entrei por um lado diferente do approach
turístico, dos que desembarcam no Aeroporto do Galeão (aliás, há tempos mudou o
nome, mas prefiro o antigo mesmo) e seguem direto para uma Zona Sul mítica
propagandeada por novelas da Globo. Conheci a cidade chegando pela Rodovia
Washington Luís, vindo da serra, passando por Duque de Caxias. Conheci a Zona
da Leopoldina, com sua decadência, invadida por uma favelização alegre,
contrastando com uma eterna cara de desânimo dos moradores antigos, do tempo
das crônicas de Nelson Rodrigues.
Cheguei ao centro da cidade
via Vigário Geral, Cordovil, Brás de Pina, Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso,
Manguinhos, Benfica, São Cristóvão, Santo Cristo... Pelo caminho, tropecei em
bandidos em formação, mendigos, sambistas esquecidos, periguetes com cabelos
mal pintados, e outros personagens de toda sorte, afogando suas mágoas com cerveja
barata em meio a muito abandono e sujeira. O Centro, de certa forma,
acaba virando um desembocadouro de todos esses tipos humanos, uma geléia
cinzenta, com belos casarões antigos que nos causam pena de ver abandonados.
Volta e meia, desaba um. Nesse mesmo Centro, se aglutinam e se reproduzem ainda
nos dias de hoje o mesmo desleixo que os cariocas que receberam a família real
de Portugal em 1808 dispensavam à sua cidade. Lixo no chão, lixo nos bueiros e
milhões de cariocas tocando suas vidas pra lá e pra cá. Desorganização,
preguiça e uma malandragem burra, do tipo que não se reinventou, que não
evoluiu, que não se transformou em esperteza, nem em inteligência.Os bacanas da Zona Sul vem
trabalhar aqui, pela Presidente Vargas ou pela Rio Branco. Os bacanas do
Estácio e da Providência também vem, roubam ali em frente à central. Já os
bacanas da Zona Sul que roubam, normalmente dão expediente ou ali ao lado do
Paço Imperial ou naquele prédio ao lado da sede dos Correios, na altura do
2.500 da Presidente Vargas. Tá pensando o quê, o Centro é lugar de trabalho.
E eis que um dia alguns
bacanas resolveram que para melhorar o Rio de Janeiro, não precisavam de fato
melhorá-lo tanto assim. Bastava vendê-lo, mas vendê-lo bem mesmo. Aí os ricaços
que engolissem a isca, iriam fazer todo o trabalho. Iriam melhorar a cidade por
conta própria. Mas a campanha de promoção teria que ser boa, muito boa.
Envolveria o mundo inteiro, quem sabe até conseguir-se-ia trazer uma olimpíada
para ser feita na cidade? Mesmo com bueiros explodindo, mesmo com um trânsito
patético, mesmo com uma criminalidade próxima à de países em guerra. A propaganda
seria a alma do negócio, e os negócios seriam de alto nível. Envolveriam
empreiteiras, envolveriam viagens internacionais. Precisaria muita disponibilidade
pra viajar, e muita cara-de-pau, muita lábia de vendedor. Por sorte, a paisagem
ajuda. Aos investidores gringos mais durões, caipirinhas em profusão, para
amolecer o espírito. Assim, vendemos a cidade, transformando-a em uma das mais
caras e mais badaladas do mundo. E isso tudo sem precisar gastar muito mais do
que sempre gastamos com transporte, limpeza pública e todo o resto, que sempre
fizemos na base do cala-boca.
Mas é aquele negócio, fácil de
explicar, embora não seja tão fácil de entender... o carioca é tão burro que
aceita de bom grado qualquer governante cambeta que aqui chegue, seja um Dom
João, seja um Garotinho. Aceita ser atingido por balas perdidas, enquanto
aplaude embevecidamente o pôr-do-sol em Ipanema, flutuando na marola dos
baseados. Aceita voar não por intermédio de uma companhia aérea, mas por conta
de bueiros que explodem... e aterrissar em um monte de lixo, ou quiçá em um
aglomerado de viciados em crack dormindo num canteiro do outrora tão belo Campo
de Santana.
Mas no fim das contas, o
carioca mesmo, não está nem aí pra isso. Sabe como é, né? Carioca é malandro...
Então tá. Vai tomando, malandro.
1 comentários:
Fantástico! Eu teria depreciado um pouco mais, mas vc ainda resgatou o que restou da poesia do Rio. Eu ando vendo tudo meio cinza... e preto. Mais um fantástico olhar!
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