*conto baseado em uma famosa lenda urbana.
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© picture by Sebastian O'Malley |
Nunca fora supersticioso. Pelo contrário, sempre fora um homem de extremo sangue-frio... Bem jovem, antes de ser caminhoneiro, trabalhara por um tempo como auxiliar na funerária da pequena cidade onde nasceu, onde aprendeu a ter naturalidade na presença dos mortos. Mas estava definitivamente nervoso naquele momento. Se fosse perguntado depois, diria que não se lembrava de como passou a ideia pela sua cabeça. Antes que percebesse, já estava de posse do canivete afiado, que carregava sempre consigo. Em segundos localizou o ponto certo de articulação do dedo da mulher, e cortou o dedo fora. Após decepado o dedo, o anel soltou-se com facilidade. Wilson experimentou uma estranha sensação de alívio ao se afastar do corpo, apertando o anel entre os dedos. Percebeu com certa distração que ainda tinha o dedo da moça na mão. Com um mórbido arrepio, que fez questão de se convencer que era de frio, jogou o dedo bem longe no mato da beira da estrada. Subiu na boleia e partiu.
Dez anos se passaram desde essa noite fria. Parado num canto do bar e já com umas cervejas na cabeça, ele percebeu a mulher que o observava e ficou um tempo no jogo de olhar pra lá, olhar pra cá, e se agradou da moça. Não parecia mulher daquelas bandas. Wilson terminou de beber sua cerveja e dirigiu-se à moça com quem tinha trocado olhares, conversaram por alguns momentos, ele se agradou da voz dela, achou raro o som, parecia a voz de uma locutora de telejornal, de quem não lembrava o nome. Fazia um frio agradável, era tempo de exposição agropecuária, a cidade movimentada, muita mulher bonita. Em pouco tempo naquela conversa rolando fácil, decidiram sair. Ofereceu-lhe carona, ela aceitou. Foram para o caminhão e já no caminho, Wilson antecipava mentalmente a satisfação de tomar um banho no motel na companhia daquela morena bonita. Puxou o maço de cigarros distraidamente, enquanto saía com o caminhão. Ofereceu-lhe um, Sônia (ela disse que se chamava assim) aceitou. Na hora de acender, Wilson reparou distraído na mão esquerda da moça. Faltava um dedo. Perguntou-lhe distraidamente como o havia perdido.
— Não se lembra? — Perguntou Sônia. — Eu sou a moça da estrada, aquela que você cortou o dedo pra levar o anel...
Na mesma noite, encontraram o corpo de Wilson nas ferragens da cabine do caminhão. Algumas testemunhas no bar onde estivera reconheceram Wilson pelas fotos, mas ninguém lembrava de haver alguém com ele.
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