segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A morena da estrada

*conto baseado em uma famosa lenda urbana.

© picture by Sebastian O'Malley
Wilson era caminhoneiro. Numa madrugada fria de inverno na serra, após a neblina ter se espalhando pelas encostas dos morros, uma chuva fina caía e obrigava o motorista a dirigir no limite mínimo de velocidade. Em certo momento da viagem, passando por um trecho deserto da BR-040, altura de Itaipava, ele pensou ter visto um corpo de mulher deitado na beira da estrada... Era uma noite daquelas em que mesmo o tráfego de carga estava infrequente... e o trecho de estrada naquele momento, deserto. Em alguns segundos, Wilson —que sempre se orgulhara de seu ceticismo e destemor de tudo quanto era sobrenatural— decidiu-se por encostar o caminhão e verificar a cena, por puro espírito de aventura. Parou no acostamento, pouco além do ponto onde tinha visto a mulher. Aproximou-se, e constatou que era o cadáver recente de uma bela mulher... Cabelos escuros e compridos, pele clara e jovem, não mais que uns 26 anos. Jazia de olhos abertos, baços, numa expressão estranha. Na altura do peito, três pequenos orifícios de tiro. Nas costas, os buracos consideravelmente maiores da saída dos projéteis. O sangue, lavado pela chuva fina, se espalhava discretamente no escuro do asfalto. Verificou que a mulher usava um anel na mão esquerda, no dedo onde se usam as alianças. Ao verificar a peça, constatou que parecia ser de ouro, e a pedra, de provável bom valor. Com sorte, poderia conseguir um bom dinheiro pelo anel. Fez alguma força para sacar o anel do dedo da morta, mas não saía. Não entendia porque, mas aquilo o estava deixando nervoso.

Nunca fora supersticioso. Pelo contrário, sempre fora um homem de extremo sangue-frio... Bem jovem, antes de ser caminhoneiro, trabalhara por um tempo como auxiliar na funerária da pequena cidade onde nasceu, onde aprendeu a ter naturalidade na presença dos mortos. Mas estava definitivamente nervoso naquele momento. Se fosse perguntado depois, diria que não se lembrava de como passou a ideia pela sua cabeça. Antes que percebesse, já estava de posse do canivete afiado, que carregava sempre consigo. Em segundos localizou o ponto certo de articulação do dedo da mulher, e cortou o dedo fora. Após decepado o dedo, o anel soltou-se com facilidade. Wilson experimentou uma estranha sensação de alívio ao se afastar do corpo, apertando o anel entre os dedos. Percebeu com certa distração que ainda tinha o dedo da moça na mão. Com um mórbido arrepio, que fez questão de se convencer que era de frio, jogou o dedo bem longe no mato da beira da estrada. Subiu na boleia e partiu.

Dez anos se passaram desde essa noite fria. Parado num canto do bar e já com umas cervejas na cabeça, ele percebeu a mulher que o observava e ficou um tempo no jogo de olhar pra lá, olhar pra cá, e se agradou da moça. Não parecia mulher daquelas bandas. Wilson terminou de beber sua cerveja e dirigiu-se à moça com quem tinha trocado olhares, conversaram por alguns momentos, ele se agradou da voz dela, achou raro o som, parecia a voz de uma locutora de telejornal, de quem não lembrava o nome. Fazia um frio agradável, era tempo de exposição agropecuária, a cidade movimentada, muita mulher bonita. Em pouco tempo naquela conversa rolando fácil, decidiram sair. Ofereceu-lhe carona, ela aceitou. Foram para o caminhão e já no caminho, Wilson antecipava mentalmente a satisfação de tomar um banho no motel na companhia daquela morena bonita. Puxou o maço de cigarros distraidamente, enquanto saía com o caminhão. Ofereceu-lhe um, Sônia (ela disse que se chamava assim) aceitou. Na hora de acender, Wilson reparou distraído na mão esquerda da moça. Faltava um dedo. Perguntou-lhe distraidamente como o havia perdido.
— Não se lembra? — Perguntou Sônia. — Eu sou a moça da estrada, aquela que você cortou o dedo pra levar o anel...

Na mesma noite, encontraram o corpo de Wilson nas ferragens da cabine do caminhão. Algumas testemunhas no bar onde estivera reconheceram Wilson pelas fotos, mas ninguém lembrava de haver alguém com ele.

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